Em Março de 1973, a Ordem de Serviço dizia que tinha sido mobilizado para a 2ª Região Aérea. Destino Luanda, cidade que já conhecia. Não preciso datas, mas no dia em que cheguei, o autocarro Mercedes da FAP, transportou alguns de nós para Belas, onde estava o Batalhão de Caçadores Pára-quedistas B.C.P. nº21.
Foram quinze dias de formaturas para tudo. Era pior que na Ota durante a recruta.
Numa bela manhã regressei a Luanda e aí estava o Nord na placa à espera dos maçaricos, cujo o destino era Henrique de Carvalho.
Lembro-me que cheguei por volta do meio-dia e que o pessoal estava ao fundo da escada e perguntava qual a especialidade. Assim que disse a minha, ouço um grito “Smith” chegou o teu substituto.
O camarada, já estava a "lerpar" 6 meses. Escusado será dizer que o caminho, foi o do Clube de Especialistas e logo uma Nocal, depois outra e outra e ainda outra.
Apresentei-me na secção, ao chefe que na época era o Cap. Fausto Cruz.
Depois das apresentações, conheci Nestor Mesquita, o Valverde, o Dias, o Brandão e mais pessoal dos quais, a memória já não me recorda. Equipamentos para trás e para a frente, os PAY de VHF, os SSB-75L, que eram utilizados só para telegrafia, os RACAL TR-15A e o TR-15L, e os Hamarlund SP-600.
Ao cabo de duas semanas este rapaz, foi fazer o seu 1º destacamento ao Camaxilo.
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Abrigos do Camaxilo |
A viagem foi feita no famoso Dakota. Quando lá cheguei, fiquei um tanto apreensivo, até porque quem passou por aquele Aeródromo de Manobra, não gostava de lá voltar.
A rendição foi feita, o Dakota foi embora e agora estávamos ali.
Não havia um DO-27, um Heli, nem mesmo um T-6. A paisagem era de mata em redor, trincheira com abrigo, os buracos das balas ainda estavam bem presentes nas paredes das guaritas e nos ferros da vedação. Os 5 Km de picada que nos levava ao destacamento do Exercito e ao centro (quatro casas, uma era o posto administrativo, duas eram as famosas cantinas e a outra, não sei a quem pertencia) era em areia.
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Eduardo Mata |
Éramos 27 rapazes ao todo, 5 Especialistas, 20 militares da Polícia Aérea, o 1º. Sargento e o Alferes Gama, que era ou é de Amarante. Era esta a equipa que tinha de estar 30 dias no meio do nada. Existia uma viatura Unimog Mercedes, que não tinha bateria, pegava de empurrão e só tinha um farol. Todos os dias de manhã, a viatura saia para ir ao exército buscar o casqueiro que comíamos às refeições.
O Alferes Gama, “persona non grata”, fazia do destacamento a sua quinta. Este senhor, tornou-se bem conhecido, porque vendia o reabastecimento para as cantinas, principalmente a carne, cerveja e produtos de higiene. Depois convidada os civis das cantinas, para virem comer para o refeitório. A situação tornou-se insustentável e os Especialistas, enviaram para Henrique de Carvalho pedidos de substituição. Tenho a impressão que o Operador de Comunicações, era o Machado. Isso obrigou a que no dia seguinte logo pela manhã, aterrasse um Dakota com o médico Dr. Albuquerque e o Comandante do AB4, que nos observou e ambos tiveram uma reunião com o dito cujo sanguinolento Gama.
Numa bela tarde, logo após o almoço, nós os 5 especialistas saímos para uma caçada no velhinho unimog. Seguimos a picada da fronteira do Congo. A certa altura, saímos da picada e entramos na chana. O Enf. Virgílio Oliveira dizia, por aqui, por ali, eu já estive neste destacamento algumas vezes e sei o caminho. O certo é que já estávamos mesmo na fronteira com o Congo pois o marco geodésico assim o dizia e o carrito, ficou mesmo aí. Nem com as 4 saiu de lá. Ficou atascado até aos eixos. Bom, há que regressar a pé e pelo meio do mato, até encontrarmos a picada. Demos com a picada e logo a seguir com uma sanzala. Aí pedimos água e o Soba, mandou trazer cadeiras para o pessoal se sentar. A água chegou e servida com requinte, foi servida em copo de vidro com um pires. Agradecemos, mas começamos a perguntar se havia uma bicicleta para um de nós ir pedir ajuda ao Camaxilo.
Depois de uma troca de gestos e algumas palavras no dialecto, lá nos emprestou a bicicleta. Tiramos à sorte para ver quem ia buscar uma Berliet ao exército e logo me calhou essa tarefa.
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Pontão do Camaxilo |
A picada como já referi, era de areia e pedalar na areia, não dá grande jeito. Sobre o guiador levava a G-3 e Km sim, Km sim, dava um tombo. A corrente da bicla estava larga e ao pedalar saia com facilidade. A noite aproximava-se e eu ainda longe, pois a fronteira ficava a mais ou menos 40 Km da unidade.
De repente e ao sair de uma curva, deparo com um negro com um plástico verde, tipo capa e com uma arma na mão. Não tive tempo para ver mais nada, a adrenalina subiu ao máximo e o coração bateu até quase não poder respirar. De repente o negro deu uma corrida e embrenhou-se na mata. Passei pelo local a pedalar o mais que podia e logo mais à frente uns 2 Km, ouço um falar num dialecto africano, dentro da mata junto à berma. Voltei a pedalar com quanta força tinha e mais um tombo e de seguida outro. Quando cheguei já de noite à ponte de madeira que só tinha duas tábuas, fiquei mais tranquilo. Passei a ponte, eu de um lado e a bicla na outra tábua e subi a pé, porque não dava para pedalar a areia era muita.
Já era noite, quando cheguei ao entroncamento das picadas que davam para o exército, vejo os faróis da berliet que ia a sair com pessoal, para tomar café no aeródromo. Já tinham jantado. Prontificaram-se de imediato voltando para o aquartelamento e foi quando o Comandante do destacamento do exército disse que só saiam se a arma fosse com bala na câmara e granadas prontas, que a zona, era de risco. Saíram duas berliet com pessoal.
Bom, o certo é que se fez o regresso com o unimog e sem problemas de maior. Na unidade, o Virgílio Oliveira, teve de me aturar, tentou acalmar-me e já não me recordo, mas tenho a impressão que foi com os famosos comprimidos LM, que me fizeram efeito, quanto mais não fosse psicologicamente.
As noites eram bastante tensas. O gerador que fornecia a electricidade, era desligado e a unidade ficava às escuras.
A partir dessa peripécia, nunca mais dormi durante o resto das noites. Fazia plantão juntamente com os camaradas da Policia Aérea na torre que existia junto do edifício das camaratas. O medo existia em todos nós, principalmente durante a noite. Era-mos heróis, mas foram os heróis que tombaram. Ainda hoje, me recordo e vejo toda a cena, como se fosse um filme.
Cumpridos os 30 dias, regressamos a Henrique de Carvalho e quando chegamos, tinha-mos uma recepção de camaradas que souberam do caso da fomita que por lá passamos e todos queriam ver os esfomeados.
Durante um mês, o AB4 foi uma maravilha, saídas à noite para a cidade, uns servicitos na central de emissores que ficava perto do Clube e por falar nisto, recordo-me que uma bela noite e pelas 2 horas da madrugada, depois de umas cervejitas no Clube, o Pierre, o Oliveira e eu, ia-mos descansados a tropeçar, de fralda de fora e calças arregaçadas, quando eles que se dirigiam para as camaratas, foram apanhados pelo Comandante Rebelo, que lhes ofereceu boleia e os deixou na casa da rata. Porquê? Estava-mos todos de serviço, só que como eu ia para a central de emissores, não fui apanhado. Que sortinha!
Cazombo foi o meu 2º. destacamento e toda a gente dizia que naquele aeródromo, as coisas eram diferentes. Havia sempre movimento de aviões e helis. Era uma zona de mais operações militares e por isso o movimento de tropas era mais acentuado. Estavam estacionados, uma companhia do exército, um pelotão de apoio directo. Mais pessoal civil e com ambiente nocturno. Afinal havia um bar, onde a rapaziada ia afogar as suas mágoas pois a filha do dono, dava bola para á rapaziada. Havia o bairro da JAEA, Junta Autónoma das Estradas de Angola, o Manel das pedras e um fulaninho muito pascaço, que mal via um avião comercial lá nas alturas, montava na mota e ia ao aeródromo perguntar “” Aquele avião é nosso? “”, Só podia ser o pide que estava destacado no posto. O
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Junto ao Zambeze |
Cazombo, até tinha um miradouro para o pessoal desfrutar da paisagem do rio Zambeze. A sanzala era do outro lado da pista.
Impressionou-me de facto, ver todos os dias gente de idade e crianças junto ao arame farpado, com as latas de fruta vazias, à espera dos restos da comida que sobrava das nossas refeições. Ainda hoje, vivo com essas imagens e há um episódio a este respeito que não vos conto.
Quase todas as tardes e por volta das 15:00 horas, o céu ficava escuro e havia uma descarga de agua e trovoada de cerca de meia hora. Era deslumbrante ver aquele espectáculo. Tudo passava e logo vinha o calor. O por do sol era maravilhoso, com as tonalidades do vermelho e do dourado a esconder-se por detrás das árvores. Só em África se consegue ver semelhante beleza.
Quando havia a rendição do piloto que estava destacado, toda a malta perguntava é o Teixeira, que tinha o nome de guerra “TEX” que vem a voar para cá? Era obvio que a presença do Corredeira, não era bem querida. Próximo da data da rendição, caí doente com paludismo e fui parar à enfermaria da companhia do exército que fazia fronteira com o AM43. Fui colocado no isolamento, mas sentia que as coisas não estavam bem. Temperaturas de 40 graus e delirava. Lembro-me de me terem aplicado soro, injecções de Penicilina, doses cavalares de 1.300.000 unidades e uns comprimidos, durante alguns dias.
Recordo-me perfeitamente do nome do Médico, Santos Clara e com a patente de Tenente.
A rendição foi feita e eu fiquei mais uns dias no Cazombo de férias. Estava a a apontar uma ida pelo Luso, para conhecer a cidade e a Base, quando aparece um Dakota, para fazer o reabastecimento e lá fui nele para Henrique de Carvalho. A minha viagem ao Luso, vi-a por um canudo.
Passados 2 ou 3 meses, vou novamente para o Cazombo e desta vez, ia muito mais à vontade. Algumas caras eram conhecidas e o local familiar. No entanto uma semana depois, estava a chegar um heli com uma evacuação, a ambulância estava no AM e perto do Taxi-way. Umas das espias da torre de comunicações, era presa ali por perto e o Fur. Enf. que conduzia a viatura, ao fazer manobras, arrancou as mesmas e a torre veio ao chão, ficando toda empenada e em alguns lanços destruída.
Lá tive de entrar em acção e socorrer-me do que havia, pelo menos prender as antenas dipolo a um ponto qualquer, para que houvesse comunicações com “Carvalho” A orientação das mesmas, não era a melhor, mas o OPC, lá conseguiu receber e enviar as MSGs. Mesmo com sinais fracos, em CW, sempre se consegue comunicar, os ti-ra-ris, sempre são bastante mais perceptíveis que a fonia.
Foi toda a noite a trabalhar com a ajuda do pessoal do exército do Pelotão de Apoio Directo. O seu CMD Tenente, cujo nome não me recordo, colocou todos os meios à minha disposição, enviando para o Aeródromo o carro oficina.
Pela manhã, a torre estava pronta e faltava coloca-la na vertical. Era uma torre frágil e estreita. Assim que a torre começa a ser içada, dobra pelo meio e foi preciso nova intervenção. A pressa era muita, pois o Cap. Pilav Oliveira ia chegar pela manhã no Dakota, era uma pessoa de poucas falas e com certeza que não gostaria de chegar sem ter perguntado pelo rádio, como estava o WX, para os menos familiarizados, quer dizer meteorologia.
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Destacamento do Cazombo |
Depois da nova reparação, a famigerada torre sempre se ergue sem problemas e este rapaz, teve de subir à mesma, toda a abanar, sem cinto de segurança porque não havia e prender as respectivas antenas.
Neste destacamento, as peripécias não terminaram por aqui, pois quando no termino da estadia no AM, tinha de trazer um equipamento Emissor/Receptor, que tinha avariado e não podendo ser intervencionado no mesmo e somente em Henrique de Carvalho.
O dia chegou, a manhã estava bonita e o dia óptimo para voar.
Chega a nossa barcarola, a rendição foi feita e já estávamos dentro do avião Dakota, claro, o mecânico de bordo, manda por os motores em marcha, depois de um deles se ter recusado por diversas vezes a funcionar. Começamos a rolar para a pista e eis que o pessoal que tinha ficado, começa a acenar e a gritar. O motor em causa estava a arder.
Foi dada ordem de evacuação e toda a gente saiu a correr. Com os extintores da unidade, lá se debelou o fogo e já não saímos dali.
Mais dois dias de espera até que chega uma equipa de manutenção. Aproveitamos o avião para regressar finalmente.
À chegada À placa do AB4, tinha o Cap. Fausto Cruz á minha espera e á espera do transceptor.
Então Sr. Eduardo, trouxe o rádio? Não Sr. Capitão, o rádio ficou e está ainda hoje dentro do avião que começou a arder.
É verdade. Só quando estávamos em voo, é que me apercebi que o equipamento tinha ficado. Ainda pedi ao OPC da tripulação, para contactar o Cazombo, mas um dos nossos grandes problemas eram as comunicações serem muito difíceis entre os pontos e com as aeronaves. Equipamentos bem usados e com problemas de estabilidade, desviando muitas das vezes da frequência devido à temperatura.
A promessa, foi de imediato “O Sr. Vai levar uma porrada” O nosso Cabo Especialista Eduardo Mata, começou a argumentar e lá conseguiu desempecilhar-se da situação.
Eduardo MataMRAD