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Os países do Golfo da Guiné |
Em Julho de 1969, o
seguinte pessoal ex-FAP foi contratado pelo Governo Biafrense para voar no
Biafra Air Force para operar uma esquadra de T-6G. - Pilotos: Gil Pinto de
Sousa (P1/62), Artur Alves Pereira (P1/62), José Eduardo Peralta (P1/62),
Armando Cró Brás (P2/62) e mais tarde (Outubro) José Manuel Ferreira da Cunha
Pignatelli (P2/62). - Mecânicos: Faustino Borralho e Jorge Câncio.
As condições salariais
dos pilotos eram: salário base de US$ 1.000/mês enquanto fora do Biafra e US$
3.000/mês quando no teatro de operações. Um prémio extra era pago por cada
missão de combate variando o valor com o tipo de objectivo e resultado
alcançado. Por cada voo de translado os pilotos recebiam um prémio de US$
1.000.
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T6 BAF |
Em Setembro de 1969, os
primeiros quatro T-6G foram testados em voo e, logo após transportados por via
marítima para Bissau, devido a falta de autorizações de voo para sobrevoar o
Norte de África. Estes viriam a ser os únicos aviões a sair de Tires com
destino ao Biafra. Os pilotos chegaram a Bissau em meados de Setembro de 1969.
Armando Cró, por sua livre vontade e talvez excesso de curiosidade, dirigiu-se
à Pide no Aeroporto de Bissau perguntando se estávamos autorizados a seguir com os aviões e como a
resposta foi negativa, resolveu desligar-se da operação e retornar a Lisboa.
Logo após a desistência de Armando Cró, os outros três pilotos foram chamados à
PIDE, O responsável da PIDE informou-os que a ajuda portuguesa não deveria
incluir cidadãos portugueses na operação de aviões de combate e que os pilotos
estariam expressamente proibidos de operar os T-6G.
Imediatamente os pilotos
dirigiram-se ao Cor. PILAV Manuel Diogo Neto, Comandante da Zona Aérea de Cabo
Verde e Guiné e Comandante da BA12 Bissalanca. O Coronel Diogo Neto, na sua
habitual atitude de “Irmão Mais Velho” de todos aqueles que tinham tido a honra
de servir sob o seu comando e sendo ele próprio um valente e admirador de
valentia, resolveu dar o seu apoio à missão de ferry, depois do Comandante
Manuel Reis, piloto-chefe da Phoenix em Super Constelation lhe ter assegurado
que traria os pilotos de volta, após a chegada dos mesmos a Abidjan.
A partir desse momento,
o pessoal da Esquadra de Manutenção da BA12 passou a dar toda a ajuda possível
e procedeu à instalação de um tanque de combustível no lugar de trás dos
aviões.
Gil Pinto de Sousa descreve o voo: "Quanto ao “ferry” para Abidjan, após
o Cró ter desistido, os restantes três iniciámos a viagem. Tínhamos
inicialmente combinado seguir mais ou menos a linha de costa, mas quando acabei
de passar a Serra Leoa e depois de algum tempo a seguir a costa da Libéria,
cheguei à conclusão que se continuasse com o esquema, não teria combustível
para chegar a Abidjan e comecei a planear a ida para Sassandra já na Costa de
Marfim. Cheguei a Sassandra com os depósitos vazios. Os indicadores já há muito
marcavam zero e eu pedi um “dipstick” e também nada…, teria para mais dois ou
três minutos, se tivesse. Logo que pude segui para Abidjan a cerca de 45
minutos de voo. Em Abidjan tinha o Cte. Reis e o mecânico Borralho à minha
espera. Pelo Cte. Reis soube que o A. Pereira tinha tido problemas com o avião
(motor) e o Peralta com os rádios e tinham regressado a Bissau […] O Cte. Reis
combinou comigo o meu regresso (a Bissau) logo que ele regressasse do Biafra.
[…] Em Bissau, logo que
regressei, estive com o meu amigo Diogo Neto (assim o considero), pois já tinha
sido meu comandante na Ota, e durante o tempo em que fui piloto nos T.A.G.P.,
ele era Director da Aviação Civil e gostava bastante de mim (demonstrou-o
quando da minha libertação, quando fazia parte da Junta de Salvação Nacional).
Disse-me que estava bastante satisfeito por tudo ter corrido bem e que iria
informar as autoridades que a viagem era possível, em virtude de ter autorizado
um piloto a fazê-la e tudo ter corrido bem. Depois, brincando, foi-me dizendo
que caso as coisas tivessem corrido mal, diria então que eu tinha fugido com o
avião. Pouco depois eu, A. Pereira e Peralta levámos os restantes três aviões,
só que para termos a certeza que chegávamos com gasolina, antes da Libéria,
rumámos (directo) a Sassandra."
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Preparar mais uma operação |
Artur Alves Pereira faz
o relato do voo: “Em meados de Outubro (1969) levamos os três aviões para Abidjan.
O Coronel Diogo Neto “quebrou o enguiço” deixando-nos sair sem a PIDE estar lá
para ver ... Descolámos de Bissau com os tanques cheios e uma laranja para
comer de meia em meia hora. Atravessei a Republica da Guiné de noite, voando
alto, nuvens grossas, mistura bem pobre, na Serra Leoa, já de dia, sobrevoei a
Libéria e fui encostando para a costa para aterrar em Sassandra, já na Costa do
Marfim, onde tínhamos combustível para reabastecer. Quando aterrei em
Sassandra, já sem combustível ou laranjas, ainda com o motor a trabalhar,
aproximou-se um sujeito e eu perguntei: “C’est ici Sassandra? Oui monsieur,
c’est Sassandra”, então parei o motor e o suor secou instantaneamente. Pouco
depois aterraram o Gil e o Peralta. Seguimos depois directo para Abidjan. A
parte mais custosa do voo foi sempre o nocturno. De dia dava para desviar. De
noite era sempre em frente. Hoje penso que, de facto, era um risco muito
grande. Em Abidjan já lá estavam o Zé Pignatelli e os nossos mecânicos Borralho
e Câncio. Eu, o Zé e o Gil apanhamos uma boleia no SuperConstellation “Angel of
Peace” e fomos ver a guerra (de perto), pois as notícias na rádio eram
desmoralizadoras... O Peralta “borregou” para Lisboa, desmoralizado com as
notícias da rádio e do Cte. Manuel Reis, que só falava em antiaéreas. Foi ele
Reis que nos "obrigou" a entrar lá de noite."
José Eduardo Peralta
tentou convencer as autoridades do Biafra a formar uma escola de pilotagem em
Abidjan mas este projecto não foi aprovado. Peralta regressou a Portugal e o
seu T-6G ficou abandonado em Abidjan.
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Mapa do Biafra |
Na segunda metade de
Outubro de 1969, Alves Pereira, Pinto de Sousa e Pignatelli descolaram da Costa
do Marfim com destino ao Biafra.
Alves Pereira descreve o voo: O Borralho e o
Câncio foram à frente, combinamos a noite para eles estarem no controle e
revemos as frequências ADF que teriam de estar no ar como combinado. Descolamos
de Abidjan, destino Uli, ETA ao anoitecer. O meu plano de rota era directo a
Tokardi, já no Ghana, sobrevoar a “banheira”, deixando o Togo e o Daomé à
esquerda e apontar à foz do Níger numa zona pantanosa chamada Delta, Escravos.
Se já fosse de noite e visse o rio, o que sucedeu, virava para norte,
sintonizava o BCN de Uli, virava para Leste e já estava em Uli. Veio o azar
quando o rio ficou coberto de estratos baixos e eu, sem querer, me desviei para
oeste e comecei a levar com as primeiras antiaéreas. “Pirei-me” novamente para
leste, motor em “iddle” desci para 2.000 e comecei o procedimento passando por
cima do Beacon que já estava sintonizado. Silêncio na Radio, apontei para lá e o
“blackout” era total. Fiz a outbound leg e fna volta de inversão a 1500', pedi
em inglês e português para me acenderem as luzes e ligeiramente à minha
esquerda, em frente, aproximadamente às “10 horas” apareceu a pista. Ninguém
falava na frequência e eu também não. A cerca de 400’, estava eu na final,
apagaram as luzes todas e toca a borregar. É claro que comecei logo a berrar em
inglês e português para acenderem as luzes outra vez. Fui dar a volta e vi um
grande rebentamento mais ou menos na zona de Uli que ficou a arder, só pedi a
Deus para não perder a pista. Acenderam a pista e eu aterrei. O avião foi logo
empurrado à mão e protegido, enfiaram-me num “bunker” e só ouvia berrar “air
raid! air raid!”.
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Ilushyn 28 da NAF |
Era verdade. O “Intruder”
Ilushyn 28, bombardeiro da NAF estava a bombardear Uli quando aterrei. O Zé
aterrou mais tarde. Já eu desesperava quando ouvi o ruído do T-6.
Gritei
“liguem as luzes! Liguem as luzes” e ele lá aterrou. Gil Pinto de Sousa teve
menos sorte. A meio caminho a ADF do seu avião ficou inoperativa e, voando
unicamente navegação estimada, foi-lhe impossível achar Uli. Gil ficou
totalmente perdido e quando o motor parou por falta de combustível, saltou de
pára-quedas. Gil caiu em território nigeriano, 200 km a sul de Keffi. No dia
seguinte foi visto por uma mulher nativa e denunciado à policia local, que
poucas horas depois o prendeu.
O que lhe aconteceu daí
para a frente é relatado nas suas próprias palavras: "Fui interrogado por
variadíssimas pessoas. Em primeiro lugar por um oficial da polícia. Como eu
disse ser brasileiro, ele comunicou aos seus superiores, que por sua vez
comunicaram a Lagos donde deram ordens de me enviarem para lá, após encontrarem
o avião. Quando isso aconteceu não tiveram outra alternativa e ainda hoje estou
convencido que isso salvou a minha vida. Em Lagos, como eu dizia que falava e
entendia muito mal o inglês, o Superintendente Yusuf (chefe máximo da C.I.D.),
após duas ou três sessões de interrogatório, chamou um libanês que tinha sido
durante algum tempo comerciante na Guiné e “arranhava” o português. Queriam a
todo o custo que eu dissesse que era mercenário e desvendasse os “segredos da
guerra” (que eu desconhecia!) Como continuei a afirmar que estava unicamente a
fazer um “ferry”, mudaram de táctica."
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Gil Pinto de Sousa e os seus captores |
"Em Janeiro apareceu um
individuo inglês, penso que foi durante alguns anos funcionário ou chefe dos
Serviços Secretos da embaixada Britânica em Lisboa. Falava correctamente
português e conhecia mais da guerra e do envolvimento português do que eu. Após
sensivelmente uma semana de interrogatórios, disse-me para estar descansado,
pois dali a quatro ou cinco meses seria libertado. Enganou-se na palavra “mês”
pois por lá fiquei quatro anos e dez meses. Nunca fui julgado, era considerado
“detido”. Fui para a prisão em Fevereiro de 1970, não fui lá maltratado, mas os
meses passados na C.I.D., antes de seguir para a prisão, foram terríveis, pois
era constantemente ameaçado, inclusive com a morte."
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O T6 de José Pignatelly |
O Governo Português da
altura não tinha possibilidades de me ajudar. Na realidade este foi um assunto
bastante delicado para a diplomacia portuguesa pois, ao encontrarem os restos
do avião, as autoridades Nigerianas tinham descoberto o cartão de identidade da
FAP que Pinto de Sousa tinha “esquecido” de devolver ao acabar o seu serviço
militar. A posse do cartão qualificava-o como militar português ao serviço da
FAP, o que o governo português desmentiu energicamente.
Na manhã seguinte à sua
chegada, Alves Pereira e Pignatelli levaram os aviões para Uga. Durante o voo
sobrevoaram o Quartel General do Biafra e fizeram uma passagem baixa seguida
por um “looping” e um “tonneaux” em coluna que ficaram famosos nos anais da
BAF.
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Fazendo a manutenção ao T6 |
A Base dos T-6 era Uga.
A pista era estreita mas comprida e, com o fim de evitar a utilização por
qualquer avião que pudesse desembarcar Comandos, eram sempre colocados troncos
de árvore atravessados na pista quando não em actividade. Para as missões
nocturnas utilizavam-se reflectores para a descolagem e “goose necks” para a
aterragem. Os aviões ficavam escondidos na floresta, camuflados com folhas de
palmeira, e empurrados à mão para não levantar nuvens de poeira, facilmente
vistas pelo inimigo. O Comandante da BAF era, na altura, o Coronel Godwin
Ezeilo, o qual tinha sido formado na RCAF voando CT-114 Tutor e T-33 Silver
Star. Na primeira fase da BAF, como capitão, Ezeilo tinha voado
operacionalmente Dove, DC-3, B-26 e B-25. Em Outubro de 1969, sob o comando de
Artur Alves Pereira, com o posto de Flight Lieutenant BAF, foi criado o 42º Esquadrão
para operar os dois North American T-6G. As instruções, ordens de missão e
briefings eram recebidas através do Squadron Leader Johnny Chukwucadibie o qual
tinha acompanhado o “Projecto T-6” em Tires, Bissau e Abidjan.
Os quatro portugueses,
Alves Pereira, Pignatelli, Borralho e Câncio, viviam numa bela moradia em
Akokwa, perto de Uga. Os pilotos voavam duas ou três missões por semana.
Normalmente descolavam ao nascer do sol para ataques a acampamentos na
rectaguarda do inimigo ou colunas militares contando sempre com o factor
surpresa. Os ataques eram sempre isolados, não havendo possibilidade de
coordenação com as forças terrestres. Alves Pereira lembra a primeira missão em
que Jonhy Chukwucadibie foi com ele. Foi um ataque nocturno com bombas de 15 Kg
a Onitsha. Era suposto sabermos onde os Nigerianos estavam. Iriamos subir em
terra de ninguém e bombardeá-los depois já no lusco-fusco. Só que, estavam
mesmo onde passamos a 500 pés numa zona bastante aberta. A antiaérea era tanta
que, quando apareceu de surpresa, levámos com vários petardos e fiquei sem
compensador de profundidade e parte eléctrica. Olhei par trás e o Johny abanava
a cabeça, ria-se e fazia ok. Para voar a direito tinha que ter o manche encostado à barriga. Ainda bem que não era o (Airbus) A320. Largamos
as bombas já de noite no regresso.Três missões de T-6 tiveram
grande êxito: um ataque à base aérea de Port Harcourt, a uma coluna federal na
estrada de Aba e a uma concentração de forças federais na estrada de Onitsha.
Os dois ataques feitos por T-6s a bases aéreas (Port Harcourt e Calabar) foram
executados como represália. Os MiG tinham bombardeado o mercado e o hospital de
Owerri, matando centenas de civis. Alves Pereira descreve o ataque a Port
Harcourt: "Port Harcourt fica a cerca de vinte minutos de voo a sul de Uga.
Descolámos cedo ainda com a neblina típica africana, agarrada ao solo, o Zé à
direita e atrás, com metralhadoras e foguetes 68. Ninguém na frequência
informou de MiGs no ar. Sabíamos que iriamos encontrar a mais forte barragem de
anti-aérea da Nigéria. O factor surpresa era importante e só dava para uma
passagem. Agarrados às árvores, cheguei-me para leste para entrar com o sol
pelas costas e rapidamente na minha frente aparece o descampado imenso de Port
Harcourt. Vejo uma pista enorme e para lá da pista, a placa militar com quatro
MiG 17 bem parqueados e por detrás, hangares com aviões lá dentro. Chego-me
para a direita para os tentar varrer com um passe e berrei para o Zé “MiGs na
placa!”. Nariz em baixo, MiGs bem centrados e à volta, embora de dia, tracejantes e estrondos de rebentamentos por todo o lado.
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Mig 17 em museu da NAF |
Encolho-me, boost
para a frente e aí vão dois 68 e uma rajada. Ok! Baixo o nariz mais um pouco, e
vai uma, duas salvas de 68 e as rajadas das metralhadoras. Vejo na minha frente
os rockets a baterem à volta dos aviões, parecia que nada sucedia e de repente
só vejo labaredas e fumo negro. Desvio-me e aponto ao hangar mais próximo.
“Será que ainda tenho rockets?” Ainda tinha! Desvio-me dos edifícios, baixo o
nariz o pouco que podia e saio no rasante mais rasante que alguma vez fiz, ao
fim da pista, sobrevoo o capim apontado a sul e ainda hoje me lembro de ver
dois soldados agarrados a uma antiaérea quádrupla, na minha asa direita, sem
poderem fazer nada e eu dizer-lhes adeus. Saí na direcção da ilha de Bonny
(para evitar) e já sobre o mar, sentei-me melhor, reduzi o boost e olhei para
Port Harcourt à procura do Zé. Vi o avião do Zé no ar, via os rebentamentos à
volta dele e pensei que ele não ia escapar. A nuvem de fumo negro era um
espectáculo! Era a altura de relaxar e pensar no regresso. Olhinhos bem abertos
no horizonte à procura de MiGs, vou entrar pelo delta do Níger, a volta vai ser
maior eu sei e segura também. Subo o rio a rapar e aterro em Uga se não houver
MiGs no ar. Tinha horror de ser apanhado na final por um bicho desses. Aterrei
dez minutos depois do Zé. Após a nossa chegada fizeram uma grande festa.
Resultado da missão: três MiGs destruídos, comandante da base e alguns “top
officers” mortos, terminal e tanques de combustíveis danificados, um
quadrimotor muito danificado. O Zé trazia meia dúzia de buracos, eu nada!
Os Nigerianos choravam na
Rádio e a minha gente ria."
Sensação fantástica. Alves
Pereira teve ainda o crédito da destruição de um DC-4 num ataque a Calabar.
Depois de atacar a refinaria de Sapele, a empresa de petróleos Shell pôs a
cabeça de Alves Pereira a prémio. Não acreditando que tanto estrago pudesse ter
sido feito por um T-6, a revista “Wings Over Africa” descreveu o ataque como
tendo sido feito por um P-47 Thunderbolt.
Poucas semanas depois, José
Pignatelli começou a mostrar sinais de alteração de comportamento. O avião de
Pignatelli foi atingido ou por antiaérea ou por armas ligeiras em todas as
missões que ele voou. Tinha o hélico do avião também danificado. Um dia, com o
pretexto de ir a Abidjan buscar o T-6 deixado por Peralta, tomou um avião da
ponte aérea e nunca mais regressou.
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A A Pereira com pessoal da BAF |
O Coronel Ezeilo tentou
encontrar um substituto para voar o T-6. Alguns dos pilotos biafrenses dos
Minicoin, formados na USAF, tinham voado T-6 mas não estavam dispostos a
voá-los em combate. Apareceram dois europeus, sendo um britânico, que tinha
acabado de amarar com um Meteor e que aguardava um outro aparelho. O outro era
um mecânico que confessou a Alves Pereira que não conseguiria sequer taxiar o
T-6. Nenhum dos dois chegou a voar nos T-6.
Apesar de algumas fontes,
mencionarem diversos pilotos, de várias nacionalidades, que teriam voado T-6 no
Biafra, a verdade é que somente Alves Pereira e Pignatelli os operaram. Câncio
regressa a Portugal e depois de Pignatelli, foi a vez de Borralho abandonar o
Biafra em Novembro. Borralho seguiu para Portugal com a missão de comprar
sobressalentes para os aviões, tendo a guerra acabado antes que ele pudesse
regressar.
No fim de Novembro Alves
Pereira foi promovido a Squadron Leader sendo convidado pelo Coronel Ezeilo
para comandar também o 47th Squadron (Minicoin) pois Freddy Herz tinha seguido
para a Alemanha para passar o Natal.
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MiniCoin de A.Pereira |
Os Biafrenses começaram a
sentir, que a brusca saída dos europeus significava que a derrota estava perto.
Alves Pereira voou ainda diversas missões em Minicoin e ainda perdeu dois
pilotos abatidos por antiaérea. O primeiro foi Alex Agbafuna (28/11/69) o que
causou grande choque no grupo devido a Alex ser altamente popular com todos com
quem lidava.
Nos últimos dias de Dezembro a
BAF estava reduzida a três Minicoin, um T-6 operativo e um Alouette II. Durante
um bombardeamento da NAF a Uga, uma bomba destruiu outro Minicoin. No dia 4 de
Janeiro foi abatido Ibi Allwell Brown noutro Minicoin. Entretanto o Alouette II
ficou inoperativo. Na primeira semana de 1970, a BAF reduzia-se a um T-6G
operativo e um Minicoin. As missões sucediam-se mas já não tínhamos praticamente
armamento. Tive que "parar" uma ofensiva Nigeriana em Imo River só
com um T6 e onde voltei dia seguinte acompanhado por um Minicoin. Andávamos a
levar tiros em série.
O FIM DA GUERRA
Uma ofensiva federal no sector
de Aba, na segunda semana de Janeiro de 1970, desorganizou a 12.a Divisão do
Exército do Biafra e rompeu a esfera de resistência biafrense.
Alves Pereira descreve o fim
da guerra: "No dia 8 de Janeiro ao entardecer o Coronel Ezeilo foi ter comigo e
com os outros pilotos (éramos cinco no total) e disse-nos que o Presidente ia
embora nesse dia à noite. Disse-me que, se eu quisesse, poderia seguir nessa
mesma noite para São Tomé, pois tinha um avião para lá. A guerra estava
terminada e iam render-se no dia seguinte. Fiquei para trás para me despedir da
malta, fizemos um jantar e foram levar-me a Uli. Só que os nigerianos já tinham
avançado e havia uma grande confusão. Não se conseguia passar. Eu não estava
preocupado pois já tinha o meu T-6 preparado para seguir para Libreville e não
São Tomé. O Flt/Ltn Larry Obieche foi comigo pois, não sendo Ibo, estava com
medo de ser executado pelas tropas federais. O voo para Libreville foi por cima
da camada que cobria todo o Biafra até ao sul, passámos ao lado das ilhas de
Fernando Pó e Santa Isabel, Camarões, sempre com a costa à vista, passámos a
Guiné Equatorial e chegámos a Libreville onde fomos bem recebidos. Alves
Pereira entregou o T-6 ao português Henrique Madail, piloto a serviço da Guarda
Presidencial do Gabão, força onde o avião foi, mais tarde, integrado.
Oficialmente o conflito acabou no dia 15 de Janeiro de 1970, quando o
Comandante-Chefe do Exército do Biafra e sucessor de Ojukwu, major-general
Philip Effiong, em trajos civis, declarou o fim da existência do Estado do
Biafra e se rendeu directamente ao General Gowon.
O desempenho de Artur Alves Pereira
ficou, até hoje, famoso na comunidade Igbo. Para mostrar a sua gratidão, o
ex-governo do Biafra, apesar de todas as representações estarem encerradas e o
país ter virtualmente deixado de existir, fez chegar às suas mãos o pagamento
exacto por todas as missões por ele executadas.
CONCLUSÃO
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Gen.Yakubu Gowon |
O General
Yakubu Gowon foi magnânimo na vitória. O jornalista Colin Legum, presente
no colapso, foi ao quartel de Onitsha e fez o seguinte relatório: Na messe de
oficiais encontravam-se oficiais nigerianos e biafrenses a beber cerveja juntos
como se tratasse do fim de um jogo de críquete. Tinham lutado arduamente, mas
agora voltavam a ser companheiros, como companheiros tinham sido antes da
guerra. Como Gowon tinha prometido, não houve um “julgamento de Nuremberga” nem
sequer maiores recriminações. Militares e funcionários públicos foram reintegrados
nas estruturas federais e regionais. Gowon foi, anos mais tarde, deposto pelo General Murtala Mohammed e vive hoje
uma existência pacata e discreta em Inglaterra, onde se recusa a dar
entrevistas ou a comentar o conflito.
O Coronel Chukwuemeka Odumegwu
Ojukwu voou para a Costa do Marfim na noite de 10 de Janeiro de
1970. Tendo dispendido toda a sua fortuna pessoal na guerra, consta que o Presidente Houphouet-Boigny lhe concedeu
um empréstimo de dois milhões de dólares americanos com os quais formou, o que
viria a tornar-se, a maior companhia de transportes rodoviários da Costa do
Marfim. Em 1982 regressou à Nigéria e depois de ter ficado detido durante dez
meses numa prisão "para sua própria segurança", conseguiu reaver a
herança do pai, voltando a deter uma das maiores fortunas de África. A sua
actividade política prosseguiu como chefe do partido Igbo, tendo sido
substituído somente em meados dos anos oitenta. Hoje continua a ser altamente
respeitado nos meios políticos nigerianos e pode ser visto, frequentemente, nas
ruas de Enugu, conduzido no seu belo Rolls-Royce branco e fez o seguinte
relatório:
O Coronel Godwin Ezeilo , seguiu para Angola onde foi contratado pelo
Secretariado Provincial dos Transportes como funcionário dos SAC – Serviços de
Aviação Civil.
Carl Gustav, conde von Rosen. Depois de ser piloto da empresa
holandesa KLM até ao deflagrar da
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Carl Gustav Von Rosen |
segunda guerra mundial, ter voado para os
guerrilheiros da Etiópia aquando da invasão italiana, para os finlandeses na
guerra contra a Rússia, ter efectuado voos clandestinos de lançamento de
mantimentos no ghetto de Varsóvia e para a resistência holandesa durante a
ocupação alemã, organizado a Força Aérea da Etiópia do pós-guerra, ter voado
para as Nações Unidas no Congo, ter comandado o primeiro voo diurno para Uli,
no Biafra, num DC-7 da Transair, ter organizado e dirigido a Nordchurchaid para
apoio dos países escandinavos às vitimas no Biafra, ter organizado e voado na
força aérea do Biafra com os seus Minicoin, este grande e romântico senhor da
aviação voltou em 1977 à Etiópia para organizar voos de apoio à população civil
durante a guerra com a Somália. Na noite de 13 de Julho de 1977 a casa onde se
encontrava hospedado na cidade de Gode foi assaltada por guerrilheiros somalis
e Carl Gustav von Rosen foi morto por uma rajada de metralhadora. Tinha 68
anos.
Gil Pinto de Sousa, Após a revolução de 1974, Portugal reatou relações
diplomáticas com a Nigéria e com o enérgico empenho do CEMFA, General Manuel
Diogo Neto, e num surpreendente gesto de boa vontade, o governo nigeriano libertou
Gil Pinto de Sousa. Gil descreve: Fui libertado no dia 25 de Setembro de 1974 e
alojado no Ikoyi Hotel, como convidado do governo da Nigéria, com tudo pago,
“pocket money” e bilhete de avião para Lisboa, via Londres. Cheguei a Lisboa no
célebre 5 de Outubro de 1974. Depois de voar em várias empresas como InvictAir,
LAR - TransRegional e AgroAr, Pinto de Sousa é, hoje, comandante de Dornier
Do.228 na “SATA – Air Açores ”.
José Ferreira da Cunha Pignatelli. Rreingressou na FAP no inicio dos
anos setenta como tenente miliciano Piloto, instrutor de T-6 na BA3, Tancos,
saindo da FAP pouco tempo depois. Nos anos setenta e oitenta voou em companhias
de táxi aéreo e de pulverizações aéreas como a companhia suíça Ciba. Faleceu em
1993.
Artur Alves Pereira. Depois de
voar em Angola num Piper Aztec da sua família, ingressou nos TAP - Air Portugal
em 1971, tendo-se reformado em 1997 como Comandante de Airbus A.320. Dedica-se
hoje aos negócios, onde tem sido muito bem-sucedido.
Compilado por João M.Vidal PIL
Revisto por Artur Alves Pereira PIL