A publicação não oficial deste pequeno resumo, de autor desconhecido e não datado, pretende tão só trazer à memória dos que foram chamados a servir Portugal no Aeródromo-Base Nº. 3, no Negage, alguns dos factos e acontecimentos mais marcantes, que caracterizaram os primeiros anos de vida daquela importante infra-estrutura da Força Aérea, em terras de Angola.
Embora se tenha consciência de que se trata de um texto simples e despretensioso, em certa medida sem o rigor que deve caracterizar os documentos de carácter histórico, considerou-se que a importância que lhe subjaz justifica trazê-lo à luz do dia, constituindo um testemunho fundamental para o conhecimento deste tema pelas gerações actuais e futuras.
Tendo
em mente as razões referidas, procedeu-se com o maior cuidado – e respeitando
sempre a riqueza descritiva do autor -, à necessária adaptação do texto,
mormente, de algumas expressões que à distância de 50 anos e num contexto
histórico bem diferente, faziam todo o sentido, mas que hoje, poderiam parecer
excessivas.
Finalmente
o desafio: Os que dispuserem de elementos julgados por úteis ao esclarecimento
da história do AB 3 não devem hesitar em partilhar os seus testemunhos e
experiências.
As
gerações mais novas saberão agradecer!
Na
sequência de estudos levados a cabo pelo Estado-Maior da Força Aérea, a partir
de 1957, deslocaram-se a Angola várias missões da Força Aérea com o objectivo
de ali implantar algumas infra-estruturas aeronáuticas. Umas dessas missões,
chefiada pelo Gen. Viana Tavares, dirigiu-se ao norte da Província, tendo
procedido à observação detalhada da zona próxima da cidade de Carmona.
De
regresso a Luanda, a fim de continuar os estudos relativos àquele assunto, foi
aquela missão procurada por uma representação do Negage, indicando a existência
de um local apropriado junto àquela Vila, e oferecendo total colaboração das
suas gentes para a edificação de uma futura Base Aérea naquela região.
No
seguimento daquela diligência, o General Viana Tavares sobrevoou a área,
percorreu-a de viatura e concluiu que, de facto, o Negage reunia as condições
requeridas. Estava escolhido o local da implantação do futuro Aeródromo Base
Nº. 3 que veio a ter existência legal, através da publicação do DL 18029 de
31de Outubro de 1960.
Os
trabalhos para a construção da pista do Negage começaram em meados de 1960, por
uma equipa chefiada pelo Asp. Milº. Engº. de Aeródromos, Lousada Borges Pinto.
Quebrada
a inércia, começara os movimentos de pessoal e material. Em princípios de
Setembro de 1960 chegam ao porto de Luanda os primeiros aviões destinados ao
AB3: quatro Austeres, logo reduzidos a três, por acidente durante a descarga de
um deles.
Ten.Cor. Augusto Soares de Moura e Esposa |
De
acordo com as directivas do Chefe do Estado-Maior da 2ª. Região Aérea, Ten.Cor. Lopes Magro, o Ten.Cor. Soares de Moura, procede à transferência dos Austeres para
o Aeroporto Craveiro Lopes, em Luanda, onde são montados pelos serviços da DTA.
Ao
mesmo tempo, organiza a instrução e procede ao enquadramento do núcleo de
pessoal que, entretanto, continuava a chegar.
Pouco
depois, o Comandante da 2ª. Região Aérea, Brigadeiro Pinto Resende, ordena que
o núcleo do AB3 se instalasse no Norte, o mais rápido possível. A arrancada tem
lugar no dia 13Dezembro de 1960 em direcção à cidade de Carmona, dada a impossibilidade de
utilizar ainda o Negage e as parcas condições do Toto, São Salvador e Maquela
do Zombo.
Seguiram
quatro Austeres, quatro pilotos (Ten.Cor. Soares Moura, Alf. Negrão, Saeg. Carvalhão e
Sarg. Mesquita) e quatro mecânicos (Sarg. Rúbio, Sarg. Gusmão, Cabo Paiágua e
Cabo Antunes). Por terra, em duas viaturas, seguiu o restante pessoal (Ten. SG
Maia e os condutores Guerra e Fernandes) e material.
Logo
no dia seguinte, perante a curiosidade das populações, iniciam-se os voos de
familiarização com a área. Cerca de uma semana mais tarde, ocorrem os
distúrbios na Baixa do Cassange, e os aviões do AB3, dirigindo-se a esta área,
colaboram com uma companhia de Caçadores Especiais sob o comando do Cap. Teles
Grilo.
Auster, o primeiro avião a operar no AB3 |
Poucos
dias depois, com a situação já mais calma, os aviões regressam a Carmona,.
Porém, esta segunda estadia seria também curta.
Em
4 de Fevereiro de 1961 chegam novas ordens: “Destacar para Malange, na manhã de 6 de Fevereiro todos os
aviões disponíveis a fim de realizar missões de ligação em proveito das
autoridades administrativas e das forças terrestres estacionadas na área” e
“levar a efeito missões e esclarecimento às colunas em marcha”.
Seguiram
dois Austeres em 6 de Fevereiro e outros dois em 8 de Fevereiro pois, dado existirem já
aproximadamente 1000 metros de terreno bem compactado, na berma da futura
pista, fora decidido mandar o núcleo instalado em Carmona para o Negage, marcando-se
a “inauguração” para o dia 7 de Fevereiro de 1961.
Nessa
manhã. Dois Austeres pilotados pelo Ten.Cor. Soares de Moura e Alf. Corte Real
Negrão, pousam pela primeira vez em terras do Negage, logo seguidos por um Nord
comandado pelo Maj. Krug que trazia a bordo vários convidados e o CEM da 2ª.
Região Aérea em representação do Comandante, que decidira ficar em Luanda,
devido aos distúrbios que aí se haviam verificado em 3 e 4 de Fevereiro de
1961.
A
inauguração foi celebrada com um almoço no Grande Hotel do Negage, estando
presente o Governador do Distrito e muitas outras autoridades distritais e
concelhias. A partir daqui, o dia 7 de Fevereiro passaria a ser o “DIA DA
UNIDADE”.
1962, chegada de PAs |
O “centro de comunicações” instala-se na cozinha duma casa, enquanto o Comandante, pomposamente, utiliza a casa de jantar como gabinete.
Em 2Março, os aviões regressam de Malange, sendo um dos pilotos o Alf. Pil. Costa
Anjos, que havia sido enviado como reforço.
Acabara
a chamada “Guerra do algodão” e os aviões do AB3 haviam cumprido variadíssimas missões,
num total de 196 e 25 minutos de voo.
Pilotos
e mecânicos recebem os primeiros elogios e citações pelo espírito de sacrifício
e sentido do dever demonstrado, passando aliás a ser apanágio da nova unidade.
Enquanto
o pessoal de terra ia sendo reforçado com a chegada de novos elementos, os
pilotos prosseguiam os seus voos de familiarização por todo o Congo Português.
Chega
a fatídico dia 15 de Março de 1961. Embora surpresos e confusos com as alarmantes e
contraditórias notícias que chegavam de toda a parte, as tripulações do AB3, a
bordo das suas aeronaves vigiam do ar os acontecimentos, na ânsia de perceber o
que se passa. “…descolei em direcção ao Quitexe, a poucos quilómetros.
Sobrevoei a área. Cheguei perto de Zalala, mas demorei sobretudo no Quitexe.
Não
compreendia bem o que se passava, mas via muitas sanzalas a arder, uma fila de
carros, camionetas e carrinhas no centro da povoação e a população a olhar para
o avião, com as espingardas a tiracolo, ou simplesmente encostados às
viaturas…”.
No
dia seguinte, um DC–3 da DTA aterra no Negage, larga uma multidão de
passageiros, na maioria mulheres e crianças e descola de seguida com um “até
já”. Algum tempo depois, regressa com igual número e género de passageiros.
Nord evacuando civis para Luanda |
Mais
tarde aparece o Nord que vinha buscar o pessoal para Luanda. Estava montada a
linha de evacuação da população civil. A maioria da população evoluída do Norte
de Angola afluía ao Negage de avião (DTA, Aeroclubes e Austeres da FAP), de
viatura e, até, a pé, para daí seguir de Nord e DC-3 da DTA, para Luanda.
O
pessoal do AB3 não parava, tinha que receber, consolar e, principalmente,
disciplinar as multidões descontroladas. Davam-se cenas chocantes de reencontro
e separação, de egoísmo e altruísmo, de abnegação e desumanidade ou desespero,
numa amálgama irreal e indescritível. A Cruz Vermelha e a Administração
assistiam como podiam às massas que em número cada vez maior afluíam à pista do
Negage.
Não
havia instalações ou abrigos. Tudo se processava sob chuvas torrenciais que
transformavam o terreno num autêntico lodaçal. Entretanto os Austeres andavam
por toda a parte, levando munições e alimentos e trazendo mulheres e crianças,
doentes ou feridas, assim como informações preciosas para as colunas de socorro
que aos poucos se iam formando. Enquanto as obras da futura Base progrediam dia
a dia, faziam-se face às necessidades imediatas.
Assim,
improvisou-se um estacionamento para aviões, montaram-se tendas, e iniciou-se a
construção de um barracão com madeira e chapa de zinco que, com os tempos, foi
sendo alargado, chegando a ter um primeiro andar. Outros trabalhos mais
pequenos se lhes seguiram. Vedou-se a área com arame farpado, instalou-se
iluminação, construíram-se torres de defesa, etc.
Os primeiros T6 |
Harvards
com metralhadoras! Infelizmente, um dos aviões precisou logo de substituir um
motor, ficando somente três operativos, durante algum tempo. Não se parava!
Austeres e T-6 estavam no ar, sempre que humanamente possível!
Os pedidos choviam de todos os lados e por todas as vias. Estabeleceu-se mesmo um código de pedidos de apoio em colaboração com o Administrador do Negage, António dos Santos Reis e com o Sr. Loures, chefe do C.T.T. do Negage, através de quem chegavam a maior parte dos pedidos. Passados os massacres iniciais, os guerrilheiros voltaram-se para as povoações e para as grandes fazendas.
Mucaba |
A
acção do AB3 não se limitou porém ao elemento aéreo. O seu pessoal – Polícia
Aérea, mecânicos e, até pilotos – patrulha assiduamente os arredores de Negage,
formando com os civis, colunas de socorro a fazendas e povoações.
Em
meados de Abril, uma coluna da Força Aérea constituída pelo pessoal do AB3,
incluindo o próprio Comandante, pára-quedistas e alguns civis, partiu de Negage
para reabastecer a Vila de Mucaba. Embora não tivesse encontrado resistência,
demorou 14 horas a percorrer 98 km, devido às inúmeras árvores, valas e buracos
que obstruíam as estradas. Foi garantida cobertura aérea desde as primeiras
horas da manhã, levando-se a efeito uma verdadeira cooperação Aeroterrestres,
graças aos rádios dos pára-quedistas, levados a bordo de um dos Austeres e na
própria coluna.
Em
29 de Abril de 1961 os pára-quedistas teriam de regressar a Mucaba para socorrer a povoação
de um violento ataque. Desta vez, porém, as nossas forças, viram-se a braços
com forte resistência inimiga, tendo a coluna de socorro sofrido algumas
baixas.
Pessoal
e material chegavam em ritmo cada vez mais acelerado. Em fins de Abril já
existiam 14 pilotos, 4 Harvards, 4 Austeres e 4 DO-27 a operar a partir do AB3,
e as infra-estruturas também cresciam, não só no Negage, mas também no Toto e
em Maquela.
A
história do AB3 está intimamente ligada aos serviços de Infra-estruturas da
Força Aérea. O que as “Infras” realizaram no Negage durante o ano de 1960 não
pode deixar de ser mencionado. Lutando com imensas dificuldades, realizaram em
escasso tempo, uma obra gigantesca e duradoura. Mais tarde, ao ver o que se
fizera, um eufórico jornalista afirmaria: “…quase toca as raias do milagre”.
Homens
como o Maj. Engº. Carloto de Castro, Cap. Engº. Teixeira de Almeida,
Alf. Borges Pinto, Alf. Engº. Ferreira Pinto, Engº. Carreira, Topógrafo
Loureiro e tantos outros, mesmo o mais humilde dos trabalhadores, ficaram para
sempre ligados à história do AB3. Eles também em uníssono, provaram que “…
MUITO
PODE QUEM QUER”!
Nambuangongo |
Com
a chegada dos primeiros batalhões vindos da Metrópole, a recuperação inicia-se
e a acção do AB3 alarga-se. Os seus aviões colaboram em todas as grandes
operações. Pedra Verde, Nambuangongo, Serra da Canda, Sacandica, e tantas
outras.
Apoiam
os batalhões que progrediam para o Norte. O “88” em direcção à Damba e Maquela
e o “92” para Sanza Pombo e, mais tarde, Quimbele, Santa Cruz e Massalo.
Nada
é rotina, nada é impossível. Há sempre uma inovação, um novo conceito de
emprego, uma nova táctica, uma nova missão. Assim. Dados que as progressões
para Santa Cruz e Quimbele estavam muito atrasadas, decidiu-se ir lá levar as
tropas, estabelecendo uma espécie de ponte aérea.
Em
Junho de 1961, os DO-27 do AB3 saem de madrugada e, num vaivém contínuo entre
Sanza Pombo e Santa Cruz, colocam nesta última um pelotão completo com os
respectivos equipamentos, munições e provisões.
Aterrava-se
na rua principal no único sentido e descolava-se noutra rua, em sentido
inverso, o que se fazia já desde 4 de Junho.
Dias
depois fez-se o mesmo em relação a Quimbele, utilizando uma espécie de pista
improvisada pela população junto à estrada da vila.
Como
nota curiosa há a referir que o primeiro avião que aterrou levava um enxoval de
bebe, oferta da Cruz Vermelha, para uma senhora em estado último de gravidez.
DO 27 |
Os
pilotos do AB3 tinham razões para se sentirem satisfeitos e orgulhosos!
Era
a primeira vez , desde Março, que alguém chegava a Quimbele. Nenhuma outra
população estivera tanto tempo completamente isolada, nem tinha, como esta,
mulheres e crianças entre a população.
Correram
lágrimas pelas faces! E não foi só entre a população!
De
maior envergadura, pela distância, e pelo volume de tropas transportadas foi a
deslocação para São Salvador, em DO-27, de uma Companhia de paras que haviam
saltado sobre Quipedro. Nesta missão, colaboraram também alguns DO-27 da BA9.
Com
a chegada de mais efectivos, aumentam as operações e, consequentemente,
alarga-se a área de acção do AB3.
Dada
a distância a que se passavam as operações, nascem os destacamentos eventuais e
permanentes e, assim, locais como Quitexe, Nambuangongo, Toto, São Salvador,
Cabinda, Ambrizete e muitos outros passam a ser locais normais de
estacionamento de aviões.
Em
10 de Setembro de 1961 começa a abandonar-se as instalações improvisadas na berma da pista e
inicia-se a utilização de alguns edifícios e hangares da actual Base.
O
facto é comemorado com um festival aéreo, incluindo pára-quedistas e almoço
volante de confraternização. Procede-se ainda à apresentação de uma revista
humorística intitulada “Catanadas”, de autoria do pessoal da Base.
A
inauguração oficial do AB3 só teve lugar porém, em 4 de Junho de 1962, com a presença do
secretário de Estado da Aeronáutica, Cor. Kaulza de Arriaga e outras altas
individualidades militares e civis.
Procedeu-se
à entrega da Bandeira Nacional à Unidade, seguida das condecorações conferidas
a vários elementos que se haviam distinguido.
Destes,
sobressaíram como mais significativos o próprio Comandante, agraciado com as
Medalhas de Cruz de Guerra de 1ª. Classe, e de Prata de Serviços Distintos, com
Palma. O Alf. Mil. António dos Santos Bettencourt foi agraciado com a
Medalha de Serviços Distintos, com Palma, como reconhecimento da sua actuação,
extremamente meritória em várias acções terrestres, durante os primeiros meses
de sublevação.
Em
discurso proferido no início das cerimónias o Secretário de Estado Da
Aeronáutica rendeu justa homenagem ao pessoal do AB3, afirmando que “…àqueles
carecendo de quase tudo, dispondo de quase nada, em constante perigo de
aniquilamento, souberam pela sua tenacidade, coragem, poder improvisador e
saber, agigantar-se! Na realidade, muito se fez aqui pela Pátria”.
De
facto, muito se fizera ali pela Pátria e o dia 4 de Junho de 1962 foi a consagração desse
punhado de autênticos heróis, cuja coragem, abnegação e perícia “a todos,
amigos e inimigos, assombrou”. A acção do AB3 não se limitou ao Norte de
Angola.
Em
fins de 1961 era já responsável por um destacamento em Malange.
Em
1962, os seus aviões procediam ao reconhecimento da Lunda e Moxico,
estendendo-se no ano seguinte, ao Planalto Central e, depois ao Sul, onde
efectuam voos de soberania e de reconhecimento.
1962 Linha da frente de T6 |
Nesse
ano o AB3 atinge o seu apogeu: Com mais de 60 aviões no seu efectivo ultrapassam-se
as 19.000 horas de voo e mantêm-se cinco destacamentos permanentes no Norte,
Cabinda, Malange e Luso.
O
Aeródromo Base 3 incluía o Aeródromo de Manobra 31 em Maquela do Zombo, o
Aeródromo de Manobra 32 no Toto, e o Aeródromo de Manobra 33 em Malange.
Este
último foi depois desactivado, mas ficou ali a funcionar uma parte da Força
Aérea Voluntária (FAV 203).
A
diminuição das actividades militares no Norte de Angola, permitiu que as
operações aéreas levadas a cabo pelo AB3 viessem para níveis considerados
“normais”, tendo, a partir de 1968, registado valores da ordem das 10.000 horas
de voo.
A
sua capacidade em termos organizativos e de infra-estruturas, continuou porém,
em condições de rapidamente aumentar aquele esforço, mal as necessidades
operacionais assim o exigissem.
O
espírito de bem servir, a abnegação e a voluntariedade das suas gentes, foram
uma constante, sendo justo afirmar-se que aquela Unidade da Força Aérea,
durante toda a sua existência, levantou bem alto o lema: “MUITO PODE QUEM
QUER”.