Naquele dia que ia sendo fatídico,
11 de Agosto (irra, logo o 11!!!) do ano de 1969 ( eu não digo? só me saem
duques!!!) descolou, da BA9, em Luanda, uma máquina fabulosa, um NordAtlas
2501, carregado de passageiros militares e suas famílias com destino ao
AB3-Negage, com o intuito de efectuar o trajecto Luanda,Tôto, Negage/Maquela e
S. Salvador. Esta é a vida bela que leva o aviador...
O avião, levava ainda alguns kilitos
de carga, a meio da fuselagem, sendo que os passageiros iam sentados naqueles
bancos de lona "suma-uma", dispostos de ambos os lados da fuselagem e
da frente até à cauda, super confortáveis, em tudo semelhantes às cadeiras da
1ª. classe de um Jumbo (a dita classe executiva, onde se comia lagosta, caviar
e outras iguarias, bem regadas com brancos e tintos portugas, de
altíssimaqualidade - falo com experiência própria - Champanhe, Porto, Cognac, etc!!!);
só que, na FAP, não havia estes requintes atendendo ao facto de a viagem ser
demasiado curta...hihihihihihihihihi
A tripulação do cockpit era composta
pelo Cap. Martins Rodrigues, comandante da aeronave, tendo como coadjuvante o
Copiloto Pinho ( o mailindo, o "Je" e o Flight Engeneer mecânico de
vôo Fernandes ( O Bordelais, por ter nascido em Bordéus-França, a quem eu
carinhosamente tratava por "sim-sim", visto que ele tinha um
"tic" que fazia que ele abanasse a cabeça de cima para baixo, como se
estivesse a responder a alguém, sem emitir som!!! Que será feito desse amigão?)
Como
eu dizia, a bordo do Nord não havia essas mordomias....
O
Nord estava equipado com UM SÓ Horizonte Artificial do lado do Comandante, do
lado do Copiloto estava um buraco (o horizonte tinha ficado na praia em Luanda
e não lhe apeteceu ir ao mato...hihihihih), os restantes instrumentos estavam
lá, só que a MAGNAFLUX - a bússula do lado do "Skeeper" respondia com
cerca de 30º de atraso em relação à do Copiloto!? Todo o resto estava nos
conformes !!!
Só
que, sabendo-se que o tempo no Negage estava para piloto de Cat III e não de
Cat I (Cat III tem visibilidade em frente de 150m e tecto de 50' e Cat I tem
visibilidade = ou > a 10Km e tecto de 200', por aqui já se pode ver a
diferença)...
A
MAGNAFLUX do Copiloto estava a trabalhar como manda a sapatilha.
Chegados ao Negage, quem é que dizia
onde estava? Tinha ido a banhos...e vai de fazer uma aproximação GCA à Pista 14
(parece, que essa este o QFU da dita, naquela época) se eu fosse papagaio das
TV's diria "naquela ALTURA"...cambada de "burróides"...
Tudo pronto, QNH introduzido e checado
entre os dois altímetros, e aí vamos nós, "cantando muito bem
calados", pela ladeira abaixo dada pelo GCA. A Altitude Mínima do Negage,
para uma aproximação GCA era de 4105'. a 4730', olhando para fora, comecei a
ver, por uns buraquitos entre as nuvens, que a terra estava muito próxima de
nós e a coisa começou a cheirar-me a esturro...tendo disso dado conhecimento ao
"skeeper", que continuou, logicamente, a descer segundo as indicações
do Radar GCA e em cujo operador confiámos.
Mas,
como filho único (pelo menos oficialmente, visto que a minha
"velhota" já tinha "partido" quando eu tinha 22 meses de
idade...parece, que o meu "velhote" "fabricou" qualquer
coisa na Venezuela, mas isso foi problema dele !!! Actualmente sou órfão de pai
e mãe e já não há remédio para o caso...hihihi
Comecei,
portanto, a desconfiar que havia por ali algo de muito errado?!
Comecei a mexer-me na cadeira e a não
sentir-me bem, a olhar cada vez mais para fora e, a cerca de 4350', saindo da base
inferior da nuvem, encontro-me dentro de um funil, num buraco rodeado por terra
a toda a volta!!! A minha reacção imediata foi de "puxar o manche",
tentando sair dali e visto que tinha velocidade para isso! O Fernandes que, sem
dizer nada, estava tão atento ou mais do que eu à manobra, enfia com as
manettes todas à frente (deve ter metido os 1200 cavalos em cada um dos
motores!!!); o "pássaro" meteu o nariz em cima e, naquele momento,
disse para comigo: porra, desta já me safei...e os outros lá atrás? De
imediato, batemos com as rodas do trem principal MESMO na lomba do morro,
sofrendo um empurrão para cima, como se fosse o sopro de uma explosão !!! O
avião continuou a voar e a subir.
Nesse
momento, o Cmt, que estava "agarrado" aos instrumentos e que de nada
se tinha apercebido por tudo se ter passado tão rapidamente, começou a puxar
ainda mais o manche, ao que eu lhe disse "LARGUE ESSA MERDA!!!" ao
que ele obedeceu imediatamente! Para quem não sabe, a bordo de uma aeronave, as
vozes devem ser dadas com firmeza e clareza e, em casos como este, com um
berro, foi assim que nos safámos!
Logo que o Fernandes "meteu motor
aos copos" e eu puxei, recolheu o trem e os "flaps", passei os
comandos ao Comandante e vi, através de um buraco nas nuvens, que estávamos a
passar por cima da estrada Negage-Púri, muito antes da Pista!? Ora, isto
levou-nos a concluir que o operador do Radar-GCA se enganou na selecção do
Range (alcance) do Radar e nos mandou descer muito antes, isto é, em vez de pôr
o range nas 25 milhas, pôs o mesmo nas 50, mandando-nos descer muito mais
longe, onde as montanhas eram mais altas!?
No momento em que cruzávamos a estrada
Negage-Puri ouvi o operador do Radar dizer..."se calhar já
bateram"...ao que lhe respondi que ainda estávamos a voar, que batemos no
chão, mas que ainda estávamos TODOS vivos, queríamos regressar a Luanda por
desconhecer o estado em que o trem se encontrava e reserva de nível de voo
60(seis zero = 6000' - com 29.92''HG = 1013.25 HectoPascals = antigos Milibares).
O
"skeeper", que era todo religioso e tinha tirado o curso
"DECOLORES" da OPUS DEI, desatou a beijar a cruz de Cristo, quando se
apercebeu da situação, estava eu ainda com os comandos na mão! E tinha motivo
para isso: voar naquelas condições, com mau tempo, um avião INOPERATIVO,
debaixo de "stress" que era apanágio de todos nós, não era caso para
menos! No meu caso, possivelmente eu teria feito o mesmo... respondi-lhe, com
um sorriso de gozo espiritual que, embora não tivesse comigo nenhum crucifixo,
DEUS estava sempre presente na minha cabeça e que nos safámos devido a Essa
Magistral Divindade!!!
Pouco depois, pedi-lhe desculpa por lhe ter dado aquele
berro e ter-lhe tirado os comandos das mãos, o comandante é sempre o "Dono
e Sr. da aeronave, respondendo por isso em caso de acidente.
Seguimos viagem para Luanda, o
Comandante da Base 9 estava à nossa espera, ao lado do Mercedes preto (Cor.Pil.Av.
Rosa Rodrigues), com aquele ar risonho de satisfação de homem muito experiente
e calejado da Busca e Salvamento nas B17, nos Açores, olhou-nos e
cumprimentou-nos com um apertado abraço.
Estava
completa uma das "pernas" desse voo, que seria completado na
totalidade, com outro avião nessa mesma tarde, comandado pelo Cap.Pil.Nav. Pina
Teixeira.