O 12 de junho de 1975 foi de facto o despertar para um "fim" que se sabia calendarizado, mas não tão rápido e violento. A cidade foi varrida, por quase 30 horas de "guerra civil" e nos dias-semanas seguintes as noites eram escuras, fora da Base, e tracejadas por morteiros e projéteis que, vistos de longe, assustavam. Descolar e aterrar eram, contudo, rotinas sem grandes condicionantes.
Pessoalmente, a minha noite de 12-13 de junho e todo o resto do dia foram passados deitado numa banheira da casa de banho, pois "fui apanhado" em plena cidade e pude refugiar-me numa das casas que a FA ali tinha (Bairro). Horríveis 30 horas, pois não se adivinhava o que estaria a acontecer em redor. Só uma operação feita por Comandos do ME nos evacuou para o AB 4.
A destruição, com mortos à mistura (a maioria dos 3 "Movimentos" envolvidos), era imensa e foi aí a debandada dos civis para perto dos "aviões" na ânsia de sair e de ter mais (aparente) proteção.
A enfermaria da Base parecia um bloco operatório, porque não uma morgue, aonde chegavam também feridos de outras localidades. Era um caos absoluto. Talvez dos locais mais assustadores, quando se olha para trás. Um comandante da FNLA, recordo, apareceu em maca, consciente, com um grande "buraco" num dos ombros, tapado com uma rolha de papel.… imagens que não saem. ...
Transcreve-se ainda parte do depoimento, de outro militar do AB 4 (694)
Os Movimentos de Libertação decidiram "digladiar-se" pela conquista da cidade de Henrique de Carvalho, aliás como o vinham fazendo por outras cidades, nomeadamente em escaramuças em Luanda desde março e em especial em Malange, onde também houve tiroteios.
Além da noite de 12 para 13 de junho referida, em 16 de julho, volta a haver nova disputa pelo território, com violentos tiroteios entre o MPLA e a FNLA durante cerca de 18 a 20 horas e foi de novo redobrada a vigilância em todos os postos da Unidade e Rondas.
Edificio do Comando e alojamentos |
Angola,
Henrique de Carvalho, 12 de junho de 7975, 18 horas.
E
subitamente a guerra rebentou! Terrível, ensurdecedora, inequívoca, imediata.
Por detrás do nosso jardim, fora uma ala do hospital atingida por morteiros.
Baixando-me e baixando-as, corremos para a única parte da casa que não tinha
vidros, um corredor para onde o meu marido, chegado há pouco tempo, nos puxava
e tentava acalmar o choro das duas garotas, estonteadas pelo barulho e pela
urgência.
Depois...
foi o escuro, a loucura absoluta, as histórias que eu tentava murmurar para
acalmar as miúdas, os clarões repentinos que nos iluminavam, os estrondos do
mundo a desfazer-se, as granadas que eu temia caírem-nos em cima, o uivo luminoso
das balas tracejantes, os gritos de ordens e desordens da turba em guerra
fratricida: MPLA contra UNITA, MPLA contra FNLA, UNITA contra FNLA. E tudo
vomitava fogo imprevisível, e o tempo era comprido, as metralhadoras furavam
paredes, estilhaçavam vidros e as garotas não adormeciam...
Tinham
fome e medo e uma delas queria a mãe; em determinado momento, o meu marido, a
arrastar-se foi buscar alimentos e apagar o fogão que enchera a casa de cheiros
e teve também de ir até à parede comum às duas vivendas e bater com força. Esperámos
e ouvimos batidas do lado oposto, a miúda acalmou um pouco.
Depois
adormeceram, cansadas de chorar e agarradas a nós que nos agarrávamos à fé. A
esperança de que se matassem todos, que o pesadelo terminasse e novamente se
ouvissem grilos, se pudesse olhar as estrelas, cheirar a terra nessa África
fantástica de noites intensas e misteriosas.
Eu
também queria chorar e não podia e fugir se houvesse um escape. Mas não, eles,
todos, não sei quantos, estavam ali à volta, a brincar com a morte, desprezando
a vida, carregando ódios, executando vinganças ancestrais de tribos contra
tribos, de etnias, concretizando sonhos de autoridade, ilusão resultante do
poder das armas.
Após
algumas horas do início (temporário) das tréguas e depois dos militares portugueses
haverem recolhido feridos e moribundos, transportando-os para a enfermaria da
Base Aérea, a oito quilómetros da cidade, onde no dia seguinte se apresentaram
intrépidos e conscientes guerrilheiros, armados até aos dentes, em missão de
acerto de contas, exigindo a entrega dos inimigos agonizantes...
Não
pude colher, no jardim, as rosas de porcelana que floriam num canteiro, com
violetas africanas, rodeado de ananaseiros e tive pena. E ainda mais me lembrei
delas quando, poucos dias decorridos, novamente se viu ao longe, o céu da noite
de Henrique de Carvalho fervilhar de explosões, riscado do horror da loucura
assassina... por certo espezinharam as minhas rosas!...
4. Paraíso Perdido
697 - Entre eles, os majores João Carlos Oliveira e Fausto Cruz, os capitães José Bernardo Fermeiro e António Várzea, o tenente Pereira e o sargento Fartura.
698 - Natural de Alviobeira, concelho de Tomar. Recordo também a sua mulher, Maria Teresa Nunes, com quem mantivemos fortes relações de amizade.
700 - Destes destaco os tenentes-coronéis Velho da Costa e Feliciano Gomes, os capitães Mendonça Carvalho, Manuel António Melo, Mendes Barbas, Vitor Costa, Tavares de Lima e Vale de Gato, os alferes Antunes Moreira e Joaquim Rodrigues e o sargento Rafael Meireles.
Sem comentários:
Enviar um comentário