Vi-o descer pelo carreiro da restolha do Calaia. Cana de
pesca na mão direita, cacifo sobre o ombro, andar compassado ao ritmo das
irregularidades do caminho. A pesca era destino.
Para as poldras de Baçal ou
talvez a represa da Camila. O Sabor corria-lhe no sangue. Nunca estava mais que
uma semana sem visitar o rio.
-- Não te despedes do rapaz?
-- Já há muito que me ando a despedir dele, ouvi em voz
morta de angústia.
--Nem parece teu..
-- Oh mulher, isto é uma vida danada. O outro já na Guiné,
agora este para Angola!
-- Foi assim que quiseste! Os da D. Ofélia também são gémeos
e foi um de cada vez.
--Sim, sim, mas prefiro passar dois anos em sofrimento do
que quatro em permanente agonia. Não ia aguentar tanto tempo, na incerteza de
dias sem Sol na alma, nem ter notícias amiúde.
-- Nossa senhora dos Montes Ermos há-de protegê-los, estou
cheia de fé.
-- Pois, pois, Nossa Senhora…
Ouvi a porta bater, o som lento das botas a descer as
escadas, o ranger do portão que dava para a rua.
-- António Júlio, anda comer! As sopas já estão no sítio.
Entrei na cozinha, a malga fumegante com sopas de café com
leite eram fiéis ao local. No parapeito da janela da cozinha que davam para a
restolha. Desde os tempos do liceu que era assim. Dali via os lameiros onde
depois das aulas jogávamos à bola.
Em cima do aparador, o velho rádio dava som a “aprés toi”na
voz de Vicky Leandros, ainda fresca pela vitória alcançada no festival da
eurovisão desse ano.
Continuei a vê-lo, baixou ao lameiro do Lima e parou. Voltou
o rosto e olhou para a janela durante alguns minutos. Sabia bem que eu estava
lá. Não fez qualquer sinal, parou a olhar!
Eu sei pai, que não gostavas que te víssemos chorar. Só uma
vez o fizeste diante de nós. Lembro-me do comício ,que a oposição ao regime fez
em clandestinidade na serração do Martins Novo. Eu estudante , tu um pai cheio
de ideais, cantámos o hino nacional e saíram-te umas lágrimas de liberdade.
Sei porque saíste sem despedida, sei que não ias à pesca,
sei, que quando o combóio saísse de Bragança, já estarias em casa.
Continuou a afastar-se, agora em passo mais apressado,
atravessou o lameiro da Joana Dias e perdeu-se na lomba da estrada junto à
quinta de Ricafé.
Era tempo de ir para a estação. A mãe acompanhou-me até ao
portão banhada em lágrimas. O correio, na pessoa do velho Conhés tirava da
sacola um aerograma.
--Cá está mais um , vem da Guiné!
A ansiedade apoderou-se de ambos . Abri e comecei a ler.
…O Júlio já foi para Angola?
…Os da aviação têm uma vida melhor que nós, tudo há-de
correr bem com ele!
Irmão porque não retardaste um pouco mais as tuas notícias?
A emoção quase me fazia perder o combóio.
Amigos do AB4 Estou em experiencias para saber como enviar o meu comentário.
ResponderEliminarBoa tarde!
ResponderEliminarEstá a funcionar...força !
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