A preparação para a guerra
Importava, fundamentalmente, intensificar a presença militar. No âmbito aeronáutico essa presença era diminuta, por razões da dimensão do Poder Aéreo Nacional na altura.
Importava, fundamentalmente, intensificar a presença militar. No âmbito aeronáutico essa presença era diminuta, por razões da dimensão do Poder Aéreo Nacional na altura.
Na grande reestruturação da Aeronáutica
Militar em 1956, onde se passa do conceito de forças aéreas para o conceito
de Força Aérea, uma das áreas contempladas dizia respeito à extensão
orgânica relativa ao espaço aéreo ultramarino.
Por força destes diplomas legais, foram
criadas as Regiões Aéreas, uma abrangendo o território continental, os
Arquipélagos dos Açores, da Madeira, de Cabo Verde, e a Guiné; outra que
incluia Angola e S. Tomé e Príncipe e outra com sede em Moçambique que incluía,
além deste território, os territórios portugueses da Índia, Macau e Timor. Em
cada uma destas Regiões estava prevista a constituição de Bases Aéreas, e
outras classes de aeródromos, no sentido de garantir uma cobertura total do
Império Português, em termos de jurisdição aérea. Levou ainda algum tempo para
que os comandos se organizassem e para que os meios fossem destacados para
essas remotas paragens; contudo, estavam criadas as condições legais para uma
implementação rápida face ao evoluir da situação.
Em 1957 o Subsecretário de Estado da
Aeronáutica faz publicar uma Directiva para lançamento das infra-estruturas
necessárias às operações aéreas nos territórios ultramarinos portugueses,
tanto na previsão da operação local como para apoio das aeronaves em trânsito
na sua deslocação inter-teatros.
Em 1958 é efectuada uma visita de
inspecção para avaliação da situação por uma equipa chefiada pelo Chefe do
Estado-Maior da Força Aérea, e no ano seguinte tem lugar o célebre Exercício
Himba.
O exercício HIMBA consistiu numa operação
de transporte aéreo militar para verificar rotas e infra-estruturas, escalas
possíveis para o trânsito e operação, e numa demonstração de soberania, de presença
militar portuguesa em África; foram envolvidos 14 aviões, designadamente 6
Skymaster, 2 C-47 Dakota, e 6 PV-2 Harpoon que voaram da Metrópole até
Angola, utilizando aeródromos de escala, ao longo da rota oceânica. Em
Angola, sobrevoaram Carmona, Santo António do Zaire, Cabinda, Malange, Henrique
de Carvalho e Lobito; foi realizado um grande festival aéreo em Luanda com
desfile aéreo e terrestre, lançamento de tropas pára-quedistas, e exercício
de tiro ar-solo real, com a assistência de uma multidão entusiasta e orgulhosa
da sua Força Aérea. Outros desfiles se realizaram em Sá da Bandeira e Nova
Lisboa. Esta acção teve uma importância fundamental do ponto de vista
psicológico, junto da população, para além do teste operacional a que se
propunha. O exercício deixou no entanto uma marca negativa: um dos C-47 despenhou-se
à saída de Lisboa, na foz do Tejo, tendo falecido os 5 tripulantes e os 6
oficiais que nele seguiam em serviço, constituindo as primeiras baixas da
Força Aérea nestas novas campanhas africanas - as causas do acidente nunca
foram determinadas, estando totalmente fora de hipótese qualquer acção
intencional provinda do exterior.
A Força Aérea construiu em Angola quinze
pistas principais, em Moçambique catorze, na Guiné cinco, para além de grandes
ampliações e melhorias nas existentes naquela data e que eram em número
reduzido.
Para além da estrutura orgânica e da
construção das infra-estruturas mínimas que permitiriam a dotação subsequente
dos meios, haveria que estudar ou avaliar que tipo de guerra se iria enfrentar
e qual deveria ser o sistema de forças aéreas mais adequado, dentro das
limitações existentes a vários níveis.
Foi assumido que se iria operar num
cenário de supremacia aérea, pelo que não foi considerada a questão da defesa
aérea e do combate aéreo. Não foi inicialmente considerada a possibilidade de
utilização de armas anti-aéreas pelo inimigo, previsão que não veio a materializar-se,
pois é sabido que nos três teatros o inimigo desenvolveu uma capacidade
significativa nesta área, como iremos referir.
Em todo o caso, foram ainda instalados
alguns radares de campanha, na Guiné e em Angola, para vigilância
meteorológica e para apoio de tráfego, mas relativamente obsoletos e com baixa
prontidão. Existiam ainda radares de artilharia que no caso da Guiné faziam a
vigilância do espaço aéreo e transmitiam a informação para o centro de
operações aéreas.
Um outro princípio adoptado foi de que se
tratava de uma questão interna, não se prevendo operações fora do território
nacional, nem meios especificamente adequados a esse tipo de missão.
À partida esteve fora de questão a
aquisição de meios altamente sofisticados, devido principalmente às restrições
de natureza económica, embora a natureza dos meios não tivesse sido muito
diferente da utilizada por outros países ricos em experiências do mesmo tipo.
O sistema de forças planeado no inicio da
década de cinquenta no âmbito da ajuda mútua, aprovado pelo Ministro da
Defesa, não seria de considerar, justamente porque a ajuda para este efeito
não seria possível, por razões políticas. Aliàs, esse plano foi abandonado ou
reorientado para as necessidades de missão em África.
Por outro lado, foi reconhecido que seria
necessária uma força de dissuasão credível, com a dimensão apropriada: foi
este princípio que levou ao destacamento de aviões de combate, como foi o
caso do avião F-84G para Angola, e posteriormente para Moçambique, do avião
F-86F para a Guiné, entretanto regressado por imposição americana e substituido
pelo avião FIAT G-91, também destacado para Moçambique, e de aviões de
patrulhamento marítimo, como foi o caso do avião P2V5 para Angola e Guiné e do
avião PV2 para Angola e posteriormente para Moçambique. Uma componente muito
importante neste cenário estratégico era a componente de transporte, não só
da ligação da Metrópole com os teatros ultramarinos, mas também da ligação
dentro de cada teatro - de início a frota existente de C-54 e DC-6 satisfazia
as necessidades para a ligação inter teatros (os C-54 estavam ao serviço desde
1947, fornecidos ao abrigo da ajuda mútua, e que atingiram um total de 16
aeronaves colocados na Base Aérea nº 4 nos Açores; os DC-6 foram adquiridos à
PANAM em 1961 num total de 10, tendo ficado baseados em Lisboa; tanto os C-54
como os DC-6 viriam a ser abatidos em 1978); depois esta capacidade foi acrescida
com a aquisição de 2 Boeing 707 em 1969 (alienados em 1976) que tiveram uma exploração
exemplar reconhecida a nível internacional; para as ligações intrateatro e
para o transporte médio foram utilizados os aviões Dakota existentes no
inventário e foram adquiridos aviões NordAtlas a França.
O avião convencional de ataque e de
apoio de fogo que teve maior aplicação em todos os teatros foi o avião T-6
armado, adquirido a França, a partir da Argélia, e à Alemanha. Para o
transporte ligeiro e posto de comando volante foi inicialmente utilizado o
avião AUSTER, fabricado em Portugal, nas OGMA, e posteriormente o DO-27
adquirido na Alemanha. Já na fase final da guerra entraram ao serviço aviões
B-26 em Angola. Outros tipos de meios aéreos foram ainda utilizados sem
expressão significativa. O meio aéreo mais utilizado e com maiores sucessos em
termos de apoio às operações terrestres foi o helicópetro, em especial o
Allouette III (O Allouette 2 teve uma exploração operacional pouco
significativa, e o SA330 só tardiamente foi adquirido).
Na fase final da guerra foram adquiridos
32 aviões Cesna FTB 337, SuperSkymaster, na versão armada, mas os aviões só
foram recebidos em Dezembro de 1974. Foram igualmente adquiridos nesse período
24 AVIOCAR CASA 212 para transporte médio e também recebidos já depois da
guerra em finais de 1974, princípios de 1975.
Não existia, antes do início da guerra,
doutrina aérea específica para este tipo de operações, aplicando-se a doutrina
aérea geral em vigor, que foi sendo sucessivamente aditada com especificações
próprias do emprego do poder aéreo nos vários contextos, através de normas
de execução permanente promulgadas em cada Teatro, e que, curiosamente,
foram convergindo para uma certa uniformidade.
A fonte inicial de recolha de experiências
foi a Força Aérea Francesa, em particular os ensinamentos colhidos na guerra da
Argélia e também na Indochina. Pierre Closterman foi convidado a vir a
Portugal em 1960 tendo tido vários contactos e proferido uma conferência na
Academia Militar sobre o emprego do Poder Aéreo em guerra subversiva. A
experiência britânica, em particular o conflito na Malásia, considerado
como um caso de sucesso das forças clássicas em guerra de guerrilha, foi
igualmente estudada e tida em consideração. A fonte tradicional, a Força Aérea
Americana, não dispunha à altura nem de experiência específica sobre guerra
subversiva nem de doutrina particular sobre esta matéria, como é sabido.
Auster |
Em Fevereiro dá-se um ataque concertado a
vários pontos em Luanda, entre os quais as tentativas de assalto às prisões, à
emissora de rádio, ao comando da polícia móvel, o assassínio de polícias,
e a partir de 15 de Março dá-se o genocídio em várias sanzalas do Nordeste
angolano, onde perderam a vida cerca de sete mil pessoas, sendo mil de origem
europeia.
Se dúvidas existissem quanto à intervenção
militar nos territórios ultramarinos, este facto hediondo não deixou margem
para a passividade ou para a negociação pacífica. É assim que começam as
operações militares que iriam durar até 1975. Com estes actos, toda a
hipotéctica negociação pelo diálogo tornou-se cada vez mais longínqua.
A estratégia militar orientou-se segundo
as seguintes vertentes: destruir a capacidade militar inimiga, isolar o
inimigo das populações aliciando-as para a causa portuguesa, penalizar ou
desestabilizar aquelas que apoiavam o inimigo, criar condições para o
desenvolvimento económico, social e político.
As operações aéreas em Angola
Nordatlas no AB3 |
No final do ano de 1960 tinham sido
destacados para Carmona, 4 aviões ligeiros Auster, utilizados em acções de reconhecimento
visual, posto de controlo volante, transporte de carga, evacuação sanitária,
aterrando em pistas improvisadas. Durante os acontecimentos na baixa do
Cassange estas 4 aeronaves voaram cerca de 200 horas de voo, o que significa
que a zona foi sobrevoada durante quase todo o período diurno, detectando
movimentos de grupos sublevados, orientando as forças no terreno de forma
muito primária, dada a inexistência de comunicações ar/terra, fornecendo víveres,
munições às forças e aos elementos civis sitiados, fazendo as ligações
possíveis. Em 6 de Fevereiro duas destas aeronaves são destacadas para
Malange em realização do mesmo tipo de actividade aérea.
Desde meados de 1960 que vinha sendo
construido o aeródromo do Negage, situado a cerca de 150 milhas a Nordeste de
Luanda. Em 7 de Fevereiro de 1961 tem aqui lugar a primeira aterragem de um
Auster e de um NORD, embora as instalações do aeródromo, particularmente o
quartel, só tivessem ficado concluidas em Setembro desse ano. Este aeródromo
militar, já legalmente constituido do anterior, tinha recebido a designação
de AB3.
Como já referimos, em 15 de Março de 1961
tem início uma ofensiva brutal, por parte de vagas humanas armadas de catanas
e canhangulos, contra povoações e fazendas de agricultores, nos distritos do
Zaire, Uige e Cuanza Norte, em especial Quibaxe, Vista Alegre, Aldeia Viçosa,
Quitexe, Quicabo, Nova Caipemba, Nambuangongo, Zalala, Quibala, Bessa
Monteiro, Madimba, Canda, M’bridge, Buela e outras. Os rebeldes mataram
milhares de pessoas, todas civis, incluindo mais de um milhar de brancos.
Muitos destes locais foram ocupados pelos atacantes, com fuga da população
residente. Noutros locais a população conseguiu resistir e ficar,
constituindo autênticos redutos permanentemente ameaçados, sem possibilidade
de fuga e tentando sobreviver. Esta acção criou pânico em toda a região, o
que originou um êxodo quase completo dos residentes, mesmo daqueles que
ainda não tinham sido ameaçados.
Aviões ligeiros, civis e militares,
procederam ao transporte das pessoas apavoradas em fuga, concentrando-as no
aeródromo do Negage, donde se procedeu a uma ponte aérea para Luanda de cerca
de 3.500 pessoas, essencialmente com aviões NordAtlas.
Em 16 de Março chega a Luanda, via aérea,
a primeira companhia de pára-quedistas. O dispositivo terrestre é
reforçado com forças provindas da Metrópole e são lançadas operações de
grande envergadura nas zonas afectadas.
Nestas operações de cerco e recuperação de
posições, como foi o caso da operação Pedra Verde, da operação de assalto
a Nambuangongo, e das operações na serra da Canda e em Sacandica participaram
as unidades aéreas da Base Aérea nº 9 em Luanda, e do Aeródromo Base nº 3 no
Negage.
A Esquadra de PV2 (ESQ 91) efectuou 56
missões operacionais em Março e 88 em Abril, com uma média mensal de 60 horas
de voo por piloto atribuído. A Esquadra de NORD (ESQ 92) executou 92 missões em
Março e 103 missões em Abril, com uma média mensal de 45 horas por piloto
atribuido.
Este esforço de voo iria aumentar num
crescendo até Novembro de 1961 - os PV2 voaram cerca de 3.000 horas nesse ano,
e o número mensal de missões foi-se aproximando da centena (em Julho); os
NORD voaram no mesmo período 2.600 horas (até ao final do ano transportaram
cerca de 29.000 passageiros e cerca de três mil e quinhentas toneladas de
carga).
Na última quinzena de Março chegaram ao
aeródromo do Negage, voando de Luanda, 4 aviões T-6G armados, que já dispunham
de equipamento rádio para o contacto com as forças de superfície, em
frequência modulada.
Estes números foram aumentando
progressivamente e no final do ano já se encontravam neste aeródomo base 15
T-6G e 9 DO-27. No mês de Março os aviões T-6 executaram 22 missões
operacionais, 72 em Abril e 103 em Maio (valor mais elevado do ano) sendo a
maior parte em acções de reconhecimento armado. Foram executadas 11 acções de
apoio aéreo próximo em Abril e 25 em Maio. Os aviões DO-27, que em Abril e
Maio eram apenas 4, efectuaram 96 missões em Abril e 161 em Maio, com uma
média de cerca de 50 horas/piloto atribuido/mês; em Abril os pilotos de DO-27
eram 13, em Julho 18 e em Novembro 22. A frota de T-6G efectuou até final do
ano de 1961, 1.867 horas de voo, e a frota de DO 27 efectuou 3.254 horas de voo
no total desse ano. Todos os pilotos colocados no Aeródromo Base estavam qualificados
em mais do que uma aeronave, para suportar este esforço de voo a que a Unidade
era solicitada, em situação de emergência. Estes números dão-nos uma ideia do
progresso da dotação de meios neste Aeródromo Base; naturalmente que, ao mesmo
tempo que estes meios aéreos e respectivo pessoal de operação e manutenção iam
chegando à Unidade, iam-se estabelecendo os fluxos logísticos
necessários à sua sustentação.
Em Agosto de 1961 entram em cena dois
outros tipos de meios aéreos: o F-84G integrado na ESQUADRA 93 e o
helicóptero AL II na Esquadrilha de Transporte e Reconhecimento,
constituindo-se depois a ESQUADRA 94, ambas da Base Aérea nº 9.
Municiamento de F-84 na BA9 |
Fundamentalmente, a ESQUADRA 93
constituia-se como elemento dissuasor importante, não só no plano interno como
no plano internacional, para além da acção directa relevante, dado o seu poder
de fogo. Quando estalou a guerra em Angola surgiu a notícia de que estariam
disponíveis para oferecerem os seus serviços à guerrilha, aviadores
estrangeiros que, com pequenas aeronaves poderiam atacar objectivos de grande
importância, escapando-se incólumes para santuários próximos, em países
vizinhos - como não existiam meios de defesa aérea, designadamente meios de
cobertura radar e interceptores, e como tais aviões não necessitariam de
grandes infraestruturas para operar, poderiam constituir-se como armas
poderosas, em especial contra o Poder Aéreo. Esta notícia não se veio a
confirmar em Angola, mas o avião F-84 poderia ter sido o meio mais adequado
para se opôr, em certa medida, a esta ameaça.
Uma das primeiras preocupações da Força
Aérea foi a de estabelecer um plano de comunicações. Estabeleceu-se um
serviço fixo em grafia, SSB, que ligava o Comando da Região Aérea com NEGAGE, MAQUELA,
CABINDA e TOTO, e um serviço móvel de Aeronáutica em HF que ligava os postos
acima referidos com algumas aeronaves que dispunham deste tipo de receptores;
nos aeródromos foram montadas as torres de controlo a operar na banda do
VHF. Todas as aeronaves, à excepção do F-84, do NORD e do C-54, foram
equipadas com VHF/FM para contacto com as forças de superfície. As únicas
ajudas rádio à navegação eram radio faróis instalados nas bases principais. Foi
instalado um radar em Negage, relativamente obsoleto.
A actividade aérea neste período continuou
no ritmo já referido, não só na participação nestas operações mas também em
acções de presença e de apoio logístico a militares e civis noutras áreas de
Angola. Fora das zonas onde ainda não existia presença de forças militares
portuguesas, a Força Aérea actuava de forma independente, sem necessidade de
coordenar a sua acção, dentro da estratégia definida a nível superior, quer
através do reconhecimento e patrulhamento, quer por acções de ataque quando os
objectivos se consideravam importantes.
A declaração de estabilidade em finais de
Setembro de 1961 não significou obviamente o fim das operações militares. O
regime político classificou a partir de então as operações como operações de
polícia, por razões de estratégia política internacional, mas na realidade elas
foram operações de guerra, na forma de guerrilha. Como se referiu, só o Norte
da Província foi atingido por esta onda de violência, que era dirigida a partir
do Congo.
A diferença fundamental na situação
militar foi na forma de actuação das forças rebeldes: na primeira fase,
entre Março e Setembro, traduziu-se por massacres de civis, com armas
brancas e canhangulos, em que as forças rebeldes se movimentavam em
terreno descoberto contra as populações e forças militares, em grandes massas
humanas fanatizadas. Era relativamente fácil detectar as movimentações destas
hordas pelo reconhecimento aéreo, ou detectar sinais suspeitos de ataque
iminente, assim como era possível conter o seu avanço com acções aéreas de
fogo, intimidatórias. Na fase que se seguiu o inimigo dissimula-se na mata e
actua por emboscada às colunas militares, por acções de flagelação contra os
quartéis, sendo muito mais difícil a sua detecção; as forças inimigas em
presença passam a ter um carácter militar, com preparação política e técnica,
e começam a utilizar armamento terrestre mais sofisticado - em vez das
catanas e canhangulos, passsaram a ter armas automáticas, minas e morteiros,
deixando de atacar as populações para atacarem as nossas forças, segundo a
técnica do bate e foge, infiltrando-se na mata, difícil de penetrar pelas
forças militares convencionais. Contudo, têm outro tipo de dificuldades: a
aderência da população, muito alheada da motivação ideológica ou política,
que na sua maioria quer paz, e a necessidade de se reabastecerem do outro
lado da fronteira criando corredores de infiltração com um mínimo de pontos fixos
ou rotas determinadas indispensáveis, mas detectáveis.
Conforme se referiu, as acções aéreas eram
muito orientadas para o reconhecimento visual, para o reconhecimento armado,
para o ataque contra pequenos alvos muito bem localizados e acerca dos quais
se dispunha de informação quanto à existência de guerrilheiros, para o apoio
fogo directo às forças terrestres, para além das acções de apoio logístico em
benefício das forças militares e de civis. De realçar as missões de assalto com
helicópteros, a partir da chegada dos ALIII, e tropas especiais, com apoio de
fogo dado pelo T-6, pelo PV2, pelo F-84, e pelo helicanhão (tiro lateral com
canhão de 20 mm). A acção de pistagem foi também executada com helicópteros e
pára-quedistas, que consistia na descoberta e seguimento de trilhos ao longo
das infiltrantes do Norte, e que conduzia à detecção, aprisionamento ou ataque
de grupos guerrilheiros em acções de reabastecimento.
Em Angola existiu apenas uma base aérea, a
BA nº 9, durante todo o período da guerra até 1975. Existiam dois aeródromos-base,
um em Negage, o AB nº 3, constituido logo em 1961, como vimos, outro em
Henrique de Carvalho, o AB nº 4, guarnecido mais tarde. Foi legalmente
constituído um terceiro, o AB nº 10 em Serpa Pinto, mas que nunca teve
actividade significativa. Para além destas infraestruturas principais existiam
ainda aeródromos de manobra (AM) e aeródromos de recurso. Dependente da BA 9
existia o AM 95 em Cabinda; do AB 3 dependiam os AM 31 em Maquela do Zombo,
AM 32 no Toto, AM 33 em Malange; do AB 4 dependiam o AM 41 em Portugália, o
AM 42 no Camaxilo, o AM 43 no Cazombo e o AM 44 no Luso. Os aeródromos de
recurso eram os da N’Riquinha, do Cuito Canavale, de Gago Coutinho, Cacolo e
Teixeira de Sousa, entre outros.
A partir dos tempos tumultuosos do ano de
1961, as operações militares em Angola entraram numa fase de rotina, na Zona de
Intervenção Norte, no sentido em que assumiram uma caracterização própria da
guerrilha, com controlo do território por parte das nossas forças.
Surgiram entretanto outros movimentos, o
MPLA e a UNITA, e o movimento inicial UPA evoluiu para FNLA. Por razões de
natureza política, as forças destes movimentos deslocaram-se para leste, cerca
de cinco anos depois das operações iniciais no Norte, o que forçou à criação
da Zona de Intervenção Leste (ZIL) que abrangia os distritos da Lunda e do
Moxico. A partir de 1966 as forças portuguesas passaram a confrontar os três
movimentos nesta ZIL, o que obrigou a um redirecionamento do esforço. O AB 4
foi reforçado com 6 PV2, dos quais 2 estavam destacados em permanência no Luso,
e em 1968 já dispõe de 1 avião Bechcraft 45, de 11 T-6G e 11 DO27 que voavam
cerca de 300 horas por mês, no total.
A frota de helicópetros Allouette III, que
havia chegado em 1963, atingiu em 1972 o seu valor máximo de 29 unidades que
efectuavam cerca de 4.500 horas de voo por ano, sempre organicamente atribuida
à BA9, mas com destacamentos por várias bases do teatro de operações, em
acções de transporte de assalto, de apoio de fogo e de evacuação sanitária.
Em 1970 chegam ao teatro de operações 5
helicópteros SA-330, PUMA, integrados na ESQUADRA 94 mas a operar no Leste;
no ano seguinte a frota é reforçada com mais 1 helicópetro deste tipo. Até fins
de 1973 efectuaram em média cerca de 1.200 horas de voo por ano. Estes
helicópetros estiveram destacados em Moçambique, no AB 7, num total de 3 em
1973 e de 5 em 1974.
Entre 1963 e 1966 esteve destacado na BA 9
para patrulhamento, um avião P2V5 que efectuou 1.064 horas de voo em 508 missões
no primeiro ano, 1.083 horas de voo em 162 missões no ano seguinte, e 200 horas
de voo e 39 missões no último ano de destacamento.
No início das operações aéreas esteve
destacado em Angola um avião Skymaster com a missão primária de lançamento de pára-quedistas
e transporte geral dentro do teatro. Para além destas missões executou voos de
reconhecimento na fronteira norte para detecção de infiltrações, ao longo dos
rios Zaire e Cuando. Ao final de poucos meses regressou à Metrópole para a
execução das missões de transporte inter-teatros.
Para além da reorientação do esforço com o
surgimento da guerra a Leste, o dispositivo altera-se ligeiramente, com maior
activação dos aeródromos já mencionados, com a introdução da frota de B-26, em
número de 4 aeronaves, em Outubro de 1972, e com o abate dos aviões F-84 em
Novembro seguinte.
O Aerodromo de Manobra do Luso passa a ser
o centro das operações aéreas, com PV2, T-6, DO27 e ALL III, ali estacionados
ou baseados no AB 4.
As operações assumiram um carácter de
rotina e as forças armadas portuguesas procuravam desarticular o dispositivo
inimigo, que sofria muitas dificuldades no terreno, de vária ordem - a
primeira das quais terá sido a falta de união entre os três movimentos. A
batalha pelo desenvolvimento continuava em toda a Província, agora que estavam
atingidas as condições de segurança necessárias.
Tenente-general PilAv António de Jesus Bispo
Revista Militar
Fotos do Clube de Especialistas do AB4
Fotos do Clube de Especialistas do AB4
Para todos os que tiveram oportunidade de passar por essa enorme Angola, as descrições aqui contadas são, sem dúvida, um regresso ao passado e o recordar de tempos difíceis, que forjaram amizades profundas. Parabéns por este excelente e esclarecido blog, que nos ensina muitas coisas. Estive na BA9, onde fui feliz, apesar de tudo. Um abraço.
ResponderEliminar