Mal sabíamos que um dia nos calharia a vez! Na vida civil, enquanto adolescentes, ouvíamos nos Natais as mensagens de boas-festas dos militares na Guerra Colonial. Pouco sabíamos. Mas um dia a RTP apareceu no Leste de Angola e quis que falássemos para a Metrópole ( em Angola chamava-se " o Puto" ). Temos hoje que reconhecer que aquilo era uma janela pela qual fugíamos para a família.
E nesse quase final de ano de 1968, alguns falaram: "Para os meus queridos pais, e querida noiva, e queridos etc, etc, desejo..." E assim de microfone de mão em mão.
O companheiro de armas, ou melhor, de Especialidade (mecânico de avião como eu), que está ao meu lado a aguardar a sua vez, era um dos meus melhores amigos no AB4, em Henrique de Carvalho. Era o Rodrigues ( o António Pereira). Já nos conhecíamos desde a Base Aérea nº 7, em S.Jacinto, Aveiro, convivemos muito durante o ano de 1967 e primeiros meses do 68.
Costumávamos trocar
livros, havia inclinações comuns para as Letras e para a poesia,
líamos e pensávamos qualquer coisa que seria de Esquerda.
Emprestou-me, em Aveiro,
uma obra poética que me lançaria na poesia de registo social do Brasil, “A
Morte e Vida Severina” do João Cabral Melo Neto.
A minha poesia, até ali
muito lírica, começou a ser adequadamente seca e dolorida.
Chegado primeiro a
Henrique de Carvalho, o Rodrigues, lá estava ele na placa de estacionamento a
esperar quem viesse no "Nord" de Luanda, e cheguei eu. Era
uma sexta-feira. Nesse mesmo dia mostrou-me as dimensões do AB4, percorreríamos
a Vila depois e algumas sanzalas, entronizou-me em África, no cheiro de África.
E emprestou-me uma quase
auto-biografia do Jean-Paul Sartre, que tinha a curiosidade de "estar fora
do mercado". “Sartre por Ele Mesmo”, da antiga editora Portugália.
E
li-a com um pé no hangar ( quando não tinha um avião para
desmanchar!) e outro na camarata, e no Club dos Especialistas entre uma
cerveja e outra. Fiz-me até fotografar com ele na mão.
Coisas de pobre.
© JTP