Aldeia Formosa |
Durante o tempo em que decorreu a guerra colonial criou-se e organizou-se no continente (dizia-se Metrópole) uma liga de solidariedade para com as tropas combatentes nos três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique).
Este movimento era constituído exclusivamente por senhoras da nata da mais ilustre sociedade portuguesa, e tinha como objectivo transmitir à soldadada uma mensagem de esperança, de carinho, de ânimo, de coragem, como que de acompanhamento maternal, quer através da disponibilização de meios gratuitos de correspondência (os famosos aerogramas, alcunhados de "bate-estradas"), quer através de ofertas que iam desde cigarros a livros, revistas, discos, chocolates e outras pequenas lembranças, e até mesmo pela presença das suas dirigentes no terreno, sobretudo nas épocas festivas do Natal, Páscoa e Fim de Ano.
Este movimento era constituído exclusivamente por senhoras da nata da mais ilustre sociedade portuguesa, e tinha como objectivo transmitir à soldadada uma mensagem de esperança, de carinho, de ânimo, de coragem, como que de acompanhamento maternal, quer através da disponibilização de meios gratuitos de correspondência (os famosos aerogramas, alcunhados de "bate-estradas"), quer através de ofertas que iam desde cigarros a livros, revistas, discos, chocolates e outras pequenas lembranças, e até mesmo pela presença das suas dirigentes no terreno, sobretudo nas épocas festivas do Natal, Páscoa e Fim de Ano.
Chamava-se a isto o Movimento Nacional Feminino, que era presidido pela elegante e atraente esposa do doutor Luís Supico Pinto, que fora um dos ministros dos Negócios Estrangeiros do governo de Salazar, Excelentíssima Senhora Dona Cecília Supico Pinto.
Na gíria militar era conhecida por "a Cilinha do Movimento Nacional de Saias".
Estávamos em Dezembro de 1971, num povoado perdido no sul da Guiné, chamado Aldeia Formosa (para os autóctones o lugar tinha, e ainda hoje tem, o nome de Quebo), onde estava estabelecida a sede de um batalhão de caçadores apoiado por duas unidades de artilharia anti-aérea (uma das quais da responsabilidade do humilde autor destas notas) e por uma companhia de comandos nativos. Tinha esta tropa a missão de controlar a zona em defesa das populações e de, simultaneamente, patrulhar e emboscar na fronteira em dois importantes e perigosos canais de infiltração da guerrilha, conhecidos por Carreiro de Uane e Corredor de Guilége, onde quase todas as noites acontecia tiroteio do bom.
Comandava o batalhão o saudoso tenente-coronel Barros Basto, homem dos seus cento e trinta quilos bem pesados, mestre no bridge e de alcunha "o Baga-Baga", que lhe tinha sido atribuída não apenas por causa das iniciais B.B. mas sobretudo pela sua compleição física, que fazia lembrar aqueles morros enormes construídos em terra barrenta pelas térmitas salalé, a que os nativos chamam precisamente "baga-bagas".
Um belo dia todos os graduados fomos chamados à tabanca que servia de sala de operações e gabinete do comandante, para uma reunião com o Baga-Baga.
Queria o senhor dar-nos conta de que, através de uma mensagem recém recebida de Bissau, havia sido informado que brevemente Aldeia Formosa iria ser visitada por senhoras do Movimento Nacional Feminino, pelo que nos encarregava de instruir devidamente a magalada quanto à sua apresentação, correcção e delicadeza no trato durante a estadia das ilustres visitantes. Não queria, no entanto, que mercê da situação anormal que se iria viver com a presença das senhoras, fossem de alguma forma descurados os procedimentos de segurança tanto do aquartelamento como das pessoas, pelo que tudo deveria decorrer dentro da mais perfeita e rotineira normalidade.
Chegado o dia da visita é activado o dispositivo habitual de segurança à aterragem do avião. Do forno azul que é o céu do meio dia na Guiné logo se ouve o ronco do motor da DO (avião Dornier 27) que se atira sobre a pista, segue desabrida aos solavancos até parar com um grito angustiado das molas do trem de aterragem, depois volta o focinho para a zona de estacionamento e imobiliza-se, expelindo o último lamento.
Portas que se abrem e o alferes piloto que ajuda duas damas a descerem. São elas a Senhora Dona Maria Helena Monteiro de Barros Spínola acompanhada pela sorridente Cilinha, ambas carregadas de sacos contendo maços de cigarros, revistas e as lembranças habituais para distribuição.
Em impecável continência o Baga-Baga acolhe e cumprimenta as senhoras, e lá segue a comitiva, a pé, para o "cavalo de frisa", que é uma espécie de cavalete ou de cancela de madeira, tudo enrolado com arame farpado, fazendo as vezes de porta de armas do improvisado quartel.
Pelo caminho (uns 60 ou 80 metros), a presidente do Movimento Nacional de Saias dirige-se a um operacional que, em calções e tronco nu, sentado num pedregulho mal amanhado, limpa e oleia a sua G3 meio desmontada. O rapaz levanta-se, perfila-se e cumprimenta respeitosamente a senhora, dando-se origem ao seguinte diálogo:
"- Olá. Bom dia, meu jovem."
"- Bom dia, minha senhora."
"- Então pode-se saber o que é que estás a fazer?"
"- Estou a limpar a arma, minha senhora."
"- Ah. Muito bem. E olha lá, tu sabes trabalhar bem com isso?"
"- Estava bem fodido, minha senhora, se não soubesse."
Perante este desfecho de conversa, Baga-baga pune imediatamente o militar com quinze dias de prisão por indisciplina e incorrecção com as pessoas da esposa do Governador e da presidente do M.N.F..
Posteriormente o comandante-chefe, general António de Spínola, manda agravar a pena em um mês de prisão com apresentação do preso no quartel general, em Bissau, às ordens do comando militar.
Soube-se mais tarde em Aldeia Formosa que ao rapaz teria sido dada baixa ao Hospital Militar HM241 e evacuado para Lisboa para o Hospital Militar Principal da Estrela pela neuro-psiquiatria.
Não foi mau. Para aquele, pelo menos, a guerra tinha acabado bem. Outros tiveram menos sorte...
Por: José Reis do seu amigo Baptista
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