Estávamos em Julho de 1975.
Entretanto, nos quatro cantos de
Angola, as unidades militares iam sendo desmobilizadas e as instalações
desocupadas. Em Henrique de Carvalho, a 12 de Junho, verificaram-se
sérios confrontos entre os três movimentos, que duraram alguns dias e encheu o AB4
de refugiados, que ali aguardavam transporte aéreo para Luanda, de onde
poderiam regressar à metrópole. Quase todos os haveres ficavam para trás,
apenas havia espaço para transportar pessoas.
Da capital angolana, chegavam
notícias ainda piores, falava-se em mais de 25 mil mortos.
As instruções que a Força Aérea
tinha, eram para entregar o AB4 ao Batalhão de Cavalaria 8322 e retirar por via
aérea e também terrestre.
E assim foi.
No "sossego" do AB4 |
No dia 1 de julho de 1975, integrei uma coluna que partiu para Luanda às quatro da manhã, e jamais imaginaria a aventura que me esperava.
As instalações passavam para o Exército e depois para o antigo inimigo, mas como o armamento não podia ficar para trás, seguia em colunas terrestres como aquela que agora rumava à capital, a cerca de 1000 km de distância.
A coluna militar com pessoal do AB4 era grande e a protecção aérea também estava presente, até porque transportavam toneladas de bombas.
Apesar disso, o pessoal ia bem disposto - mal ou bem, estávamos de abalada!
Passámos a Cacolo onde havia um destacamento dos Rangers e, uns quilómetros mais à frente, o camião onde eu seguia começou a dar problemas, não queria andar. Parou-se a coluna, vieram os especialistas de material terrestre e verificaram que a caixa de velocidades estava partida.
Não havia volta a dar, era preciso pedir uma nova e esperar que um helicóptero a trouxesse.
O capitão Campos, que comandava a coluna, decidiu então que a coluna seguiria caminho, deixando para trás o camião avariado, as vinte toneladas de bombas que transportava e também os quatro elementos da tripulação, à espera de socorro. Um Cabo PA, dois Soldados PA e o condutor do semi-reboque que era civil.
Eu não acatei a ordem de ficarmos para trás o que gerou uma acesa discussão, entre mim e o Capitão Campos, mas, os galões falaram mais alto! Deixou-nos um reforço de munições, alimentação e mil escudos que eu lhe exigi.
Eu não acatei a ordem de ficarmos para trás o que gerou uma acesa discussão, entre mim e o Capitão Campos, mas, os galões falaram mais alto! Deixou-nos um reforço de munições, alimentação e mil escudos que eu lhe exigi.
As ordens foram: ficam aqui até chegar o helicóptero com a caixa de velocidades, depois seguem viagem, que nós esperamos nas quedas de água de Malange. E ainda afirmou: se forem atacados, entreguem o carro e vão embora! Isto para mim não fazia sentido, como se veio a confirmar! Mas, como quem manda pode. Fui obrigado a obedecer!
Resignados, eu, o Barros, o Martins e o condutor passámos aquela noite no camião em plena estrada de alcatrão, aninhados no meio das bombas sem pregar olho, atentos a todos os barulhos nocturnos. Quando se fez dia, fartos de esperar e de não dormir, resolvemos voltar a pé para a destacamento dos Rangers no Cacolo, de onde poderíamos pedir ajuda. De G3 a tiracolo, fizemos o caminho a pé sem sobressaltos e, chegados quase de noite, comunicámos com o AB4, enquanto os Rangers foram com uma Berliet rebocar o camião. Passados alguns dias chegou um heli do AB4 com mantimentos para nós e para os Rangers, pois a comida escasseava. A tripulação entregou os mantimentos e de seguida partiram...
Doze dias passados, finalmente chegou a caixa de velocidades num heli que veio de Luanda. A caixa foi montada por dois especialistas e depois vimo-los partir de regresso à BA9...
Caixa montada, e ordem para partir, às três horas da tarde, em ponto. Assim foi cumprido!
O camião voltou a andar e seguimos para Luanda, cumprindo as ordens de Henrique de Carvalho. Entretanto os Rangers receberam ordens para abandonar o destacamento até ás três horas da tarde. Hora em que que foi desmontado o rádio. O que fez com que já não fosse recebida uma segunda ordem, para impedir que prosseguíssemos a viagem. Pois havia maca generalizada em toda a Província. Sem conhecimento desta contra ordem lá rumámos a Luanda!
O caminho era longo e queríamos chegar ao destino o mais depressa possível. Descansámos umas horas em Capenda e outras tantas em Malange. Aqui dirigi-me ao Quartel do Exército, falei com o Oficial de dia, pedi-lhe alimentos, e ajuda para reparar um pneu. Assim feito, partimos pouco depois das nove da manhã.
A nossa atribulada aventura ainda mal tinha começado...
Eu e os meus camaradas não soubemos na altura, mas tanto em Cacolo, como em Malange, tinha havido duas tentativas frustradas para nos alertarem a não seguirmos viagem porque havia sérios problemas mais à frente...
Alguns quilómetros depois de Malange reparámos um furo e seguimos. Começámos por encontrar um ajuntamento de carros com civis que nos pediram para seguirem atrás do camião na esperança de terem alguma protecção no percurso para Luanda. Eu, olhei para toda aquela, gente, onde se podia ver muitas mulheres e crianças, pois eram umas dezenas de pessoas, que de qualquer forma e por qualquer meio, queriam chegar a Luanda. Bastante comovido, respondi: como podem ver, nós somos apenas quatro, e como tal é impossível garantir seja o que for se optarem por seguir-nos podem vir. Mas, não podemos prometer nada, infelizmente! Mais à frente, encontrámos na estrada um civil negro, que também nos pediu boleia para a capital. Acedemos a transportar o homem, mas não sem antes o mandarmos abrir o saco, que levava consigo. Recusou, e foi-lhe dito que, ou abria o saco, ou não havia transporte. Então o saco foi aberto e lá dentro continha uma Kalashnikov desmontada e uma farda do MPLA. Podia ser uma mais-valia, caso viéssemos a ter problemas, e lá seguimos todos rumo a Luanda. Com total desconhecimento do que se passava, mas cada vez mais apreensivos, pois a responsabilidade tinha duplicado!
Passamos o Cacuso e Lucala e, antes de Salazar, fomos mandados parar por um grupo de guerrilheiros da FNLA. Estavam cinco, ou seis homens e um muito mais novo á beira da estrada, num terreno descampado, o que nos dava uma ampla visão de cima do camião. Fizeram-nos alto com a mão no ar, e a arma na outra. Rapidamente me apercebi, que eles não estavam muito á vontade, nem se mostravam muito agressivos. Dei instruções para preparar para fazer fogo se as coisas se descontrolassem. Quando chegámos junto deles o carro parou, eu saí e dirigi-me para eles. Mostrando uma calma e uma segurança que não possuía! Cumprimentei-os ao estilo FNLA. Eles recuaram, eu também, e as armas foram apontadas de ambos os lados. E foi de armas apontadas e dedo no gatilho que dialogámos. Fizeram-nos perguntas acerca das bombas, para onde íamos, que andávamos a fazer, quem era o prisioneiro (referindo-se ao civil do MPLA), etc… Respondi a todas as perguntas e até ironizei, (sem saber da situação que se estava a passar) respondi que as bombas eram para lançar ao mar, ou em cima da cabeça do MPLA, se não se portassem bem! Pedi-lhes informações acerca do itinerário, pedi-lhes água. Então um deles, numa outra linguagem, mandou o “miúdo” ir fazer qualquer coisa que não entendi. Ele desatou a correr, e passado algum tempo regressou, com as ordens recebidas. Ajudavam-nos com a condição de entregarmos o “prisioneiro“. Disse que isso não era possível. E começou uma discussão que poderia acabar muito mal!
Passamos o Cacuso e Lucala e, antes de Salazar, fomos mandados parar por um grupo de guerrilheiros da FNLA. Estavam cinco, ou seis homens e um muito mais novo á beira da estrada, num terreno descampado, o que nos dava uma ampla visão de cima do camião. Fizeram-nos alto com a mão no ar, e a arma na outra. Rapidamente me apercebi, que eles não estavam muito á vontade, nem se mostravam muito agressivos. Dei instruções para preparar para fazer fogo se as coisas se descontrolassem. Quando chegámos junto deles o carro parou, eu saí e dirigi-me para eles. Mostrando uma calma e uma segurança que não possuía! Cumprimentei-os ao estilo FNLA. Eles recuaram, eu também, e as armas foram apontadas de ambos os lados. E foi de armas apontadas e dedo no gatilho que dialogámos. Fizeram-nos perguntas acerca das bombas, para onde íamos, que andávamos a fazer, quem era o prisioneiro (referindo-se ao civil do MPLA), etc… Respondi a todas as perguntas e até ironizei, (sem saber da situação que se estava a passar) respondi que as bombas eram para lançar ao mar, ou em cima da cabeça do MPLA, se não se portassem bem! Pedi-lhes informações acerca do itinerário, pedi-lhes água. Então um deles, numa outra linguagem, mandou o “miúdo” ir fazer qualquer coisa que não entendi. Ele desatou a correr, e passado algum tempo regressou, com as ordens recebidas. Ajudavam-nos com a condição de entregarmos o “prisioneiro“. Disse que isso não era possível. E começou uma discussão que poderia acabar muito mal!
E foi assim, que acabámos por
entregar o passageiro do MPLA em sinal de boa vontade. Em troca, recebemos água
fresca e fomos avisados de que N'Dalatando estava a ser fortemente atacada pelo
MPLA. Era preciso termos muito cuidado. Perguntei onde ficava N’Dalatando, e
foi-me respondido, que era ainda muito longe! E Salazar fica longe? Não! É já a poucos quilómetros adiante! Se a guerra era em N'Dalatando e iam-mos para Salazar, estava tudo bem, e continuámos
caminho ignorando que N'Dalatando e Salazar eram nomes diferentes para a mesma
localidade!
E de facto, a menos de uma dezena de quilómetros de Salazar/N'Dalatando, numa recta com alguns quilómetros e a descer, o condutor desengatou o camião o qual ganhou uma velocidade louca, até assobiava. Lá muito ao longe, aparece no meio da estrada, com a arma no ar um negro fardado e a fazer-nos alto! Eu disse para o condutor, passa-lhe por cima! Todos os meus sentidos se concentraram naquele homem, e em tudo que o rodeava. E de repente apercebo-me que o capim, que era muito alto, se movimentava no sentido contrário ao vento, e aí meu Deus, apercebi-me que era uma emboscada, em larga escala! Começo a gritar ao condutor que tinha que parar o carro ou íamos todos pelos ares! Ele diz-me que não consegue, porque não conseguia meter mudanças, dado ao excesso de velocidade. Eu gritava, tens que parar ou morremos todos, isto é uma emboscada! A muito custo lá conseguiu engatar uma mudança e a partir daí controlou o veículo, e conseguimos parar.
Fomos cercados por trezentos, quatrocentos, nem sei avaliar, dado a enorme quantidade de guerrilheiros e mercenários afectos ao MPLA, alguns deles armados de bazucas, lança roquetes, até com duas Kalashnicov, com duas pistolas e o cinturão todo cheio de granadas. Estavam armados até aos dentes! Saltaram para cima do veículo pesado onde seguiam as toneladas de bombas, e os nossos poucos pertences em malas. Começaram a vandalizar e a vestir as nossas roupas, numa festa nunca vista. Nós encostados á cabine, nem falávamos, apenas fazia sinal aos meus camaradas para terem calma.
Continuávamos armados com a G3 em posição de rajada, de repente aparece um “gigante" negro, com mais de dois metros, um monstro, com um osso no nariz. Observa-nos um a um, e decide pegar em mim, levantou-me até á altura da cara só com um braço. Enquanto ele me levantava, simultaneamente ia levantando a G3, que, como era nosso hábito, tinha-a com a bandoleira no ombro esquerdo e a arma na mão direita, eu ia recuando a G3, para que ele não a sentisse. Olhou-me nos olhos, puxa de uma faca e gritou, mim mata! Aí era o fim! Então passei ao ataque! Dei-lhe com o cano da G3 no abdómem e gritei-lhe bem alto, enquanto lhe batia repetidas vezes com a arma, até ele a sentir. Olhou para mim, com os olhos com ar de espanto, e eu grito: vamos mata, e eu furo-te todo!!! Então com muito jeitinho, colocou-me no chão, sempre com a arma apontada para ele! De seguida, parece que acordaram todos! Uma boa dúzia deles vieram revistar-nos. Levantamos os braços e começou a revista. Eu tinha no bolso do camuflado, uma caixa de fósforos das grandes, com diamantes, que tinha comprado, a um daqueles nativos, que passavam em frente á porta de armas, rumo á Diamang, ao rabisco. Encontraram, os diamantes, terminou a revista, e nova festa começou! E foi assim que depois de revistados, ficámos com as armas e com a faca dentro da bota!
Alguém deu ordens, e rumamos ao destacamento dos GEs. Aí estavam mais cerca de uma centena de nativos, mas sem armas, e não se manifestavam! Aí fomos separados. Condutor e camião sob forte escolta, partiram não sei para onde, os civis foram levados não sei para onde também, isto porque eles falavam um dialecto que nós não percebíamos nada.
Com tudo isto a acontecer, o Martins e o Barros perguntavam-me: Silva o que fazemos? Eles matam-nos! Eu respondia-lhes
sempre: calma, muita calma, não pode
haver tiros, porque não temos hipóteses nenhumas!
Entretanto e aproveitando a confusão que estava gerada, com o camião e os civis, houve uns instantes em que estivemos um pouco mais esquecidos, e eu fiz sinal ao Barros e ao Martins para nos tentarmos afastar até ao mato. Armados de G3 fomos recuando na direcção da mata de capim. Já pouco faltava, quando um começou aos berros apontando para nós. Pronto, estava tudo estragado.
E de facto, a menos de uma dezena de quilómetros de Salazar/N'Dalatando, numa recta com alguns quilómetros e a descer, o condutor desengatou o camião o qual ganhou uma velocidade louca, até assobiava. Lá muito ao longe, aparece no meio da estrada, com a arma no ar um negro fardado e a fazer-nos alto! Eu disse para o condutor, passa-lhe por cima! Todos os meus sentidos se concentraram naquele homem, e em tudo que o rodeava. E de repente apercebo-me que o capim, que era muito alto, se movimentava no sentido contrário ao vento, e aí meu Deus, apercebi-me que era uma emboscada, em larga escala! Começo a gritar ao condutor que tinha que parar o carro ou íamos todos pelos ares! Ele diz-me que não consegue, porque não conseguia meter mudanças, dado ao excesso de velocidade. Eu gritava, tens que parar ou morremos todos, isto é uma emboscada! A muito custo lá conseguiu engatar uma mudança e a partir daí controlou o veículo, e conseguimos parar.
Fomos cercados por trezentos, quatrocentos, nem sei avaliar, dado a enorme quantidade de guerrilheiros e mercenários afectos ao MPLA, alguns deles armados de bazucas, lança roquetes, até com duas Kalashnicov, com duas pistolas e o cinturão todo cheio de granadas. Estavam armados até aos dentes! Saltaram para cima do veículo pesado onde seguiam as toneladas de bombas, e os nossos poucos pertences em malas. Começaram a vandalizar e a vestir as nossas roupas, numa festa nunca vista. Nós encostados á cabine, nem falávamos, apenas fazia sinal aos meus camaradas para terem calma.
Continuávamos armados com a G3 em posição de rajada, de repente aparece um “gigante" negro, com mais de dois metros, um monstro, com um osso no nariz. Observa-nos um a um, e decide pegar em mim, levantou-me até á altura da cara só com um braço. Enquanto ele me levantava, simultaneamente ia levantando a G3, que, como era nosso hábito, tinha-a com a bandoleira no ombro esquerdo e a arma na mão direita, eu ia recuando a G3, para que ele não a sentisse. Olhou-me nos olhos, puxa de uma faca e gritou, mim mata! Aí era o fim! Então passei ao ataque! Dei-lhe com o cano da G3 no abdómem e gritei-lhe bem alto, enquanto lhe batia repetidas vezes com a arma, até ele a sentir. Olhou para mim, com os olhos com ar de espanto, e eu grito: vamos mata, e eu furo-te todo!!! Então com muito jeitinho, colocou-me no chão, sempre com a arma apontada para ele! De seguida, parece que acordaram todos! Uma boa dúzia deles vieram revistar-nos. Levantamos os braços e começou a revista. Eu tinha no bolso do camuflado, uma caixa de fósforos das grandes, com diamantes, que tinha comprado, a um daqueles nativos, que passavam em frente á porta de armas, rumo á Diamang, ao rabisco. Encontraram, os diamantes, terminou a revista, e nova festa começou! E foi assim que depois de revistados, ficámos com as armas e com a faca dentro da bota!
Alguém deu ordens, e rumamos ao destacamento dos GEs. Aí estavam mais cerca de uma centena de nativos, mas sem armas, e não se manifestavam! Aí fomos separados. Condutor e camião sob forte escolta, partiram não sei para onde, os civis foram levados não sei para onde também, isto porque eles falavam um dialecto que nós não percebíamos nada.
O Martins e o Barros no AB4 |
Entretanto e aproveitando a confusão que estava gerada, com o camião e os civis, houve uns instantes em que estivemos um pouco mais esquecidos, e eu fiz sinal ao Barros e ao Martins para nos tentarmos afastar até ao mato. Armados de G3 fomos recuando na direcção da mata de capim. Já pouco faltava, quando um começou aos berros apontando para nós. Pronto, estava tudo estragado.
O Barros queria abrir fogo, o Martins
perguntava e agora Silva? Eu respondi: Ninguém
abre fogo enquanto o podermos evitar, quando a coisa estiver totalmente perdida,
levamos o maior número possível destes sacanas connosco para o inferno! Armas apontadas para nós e um dirige-se na
nossa direcção, para nos vir desarmar. Lembro-me de os dois ao mesmo tempo, me perguntarem
e agora Silva? A minha resposta foi! ninguém entrega a arma e ponham em rajada. Colocámo-nos costas com costas, e
dispusemo-nos a vender cara a vida! Eles perceberam isso e insistiram em pedir
as armas, mas, a resposta foi não! Então,
depois de uma grande algazarra, começaram a afastar-se de nós, e diz o Barros eles
estão a recuar. Pois estão! Isso quer dizer que chegou a hora de entregar
as armas, porque eles vão usar granadas! Levantámos
os braços com as armas, e de seguida colocámo-las no chão, mas nós ficámos de pé. Veio um monte deles direito a nós, recolheram as armas e um deles
queria o relógio do Barros, que o defendeu ao soco, e não o deixou levar!
Começámos a ouvir um motor, e aparece uma carrinha Austin/Morris, de caixa aberta, e foi para aí que fomos levados. Saltamos para a carrinha, e três homens, bem armados, também entraram, dois na cabine e um encostado á grade com os pés em cima das nossas G3, e de arma apontada para nós. Eu coloquei-me sentado o mais perto que consegui do guerrilheiro. Na carrinha estava um jornal do MPLA, (O Victória) e o Barros com toda a dose de adrenalina, que todos tínhamos, pega no jornal, com o carro a cerca de oitenta quilómetros á hora “tentava ler o jornal“ mas poucos segundos o teve nas mãos, pois, de repente, dada a velocidade e a deslocação do ar, o Barros viu o jornal voar e ficou com um pedacinho dele, em cada mão.
Eu ia olhando para o conta quilómetros, na esperança que a velocidade abrandasse um pouco, para utilizar a faca pegarmos nas armas e saltar e resolver o assunto! O Martins ia-me perguntando, vamos a quantos? E eu respondia! Passados uns bons quilómetros, começamos a ouvir artilharia pesada, e pouco depois tiros, muitos tiros! Então pergunto ao guerrilheiro para onde íamos? Ao que ele me responde assim: vamos morrer, vamos todos morrer, os soldados são para morrer!
Continuamos sempre ao som da artilharia, e dos tiros dados pelas armas dos guerrilheiros, que ladeavam a estrada, e faziam a "festa"! O carro vira á esquerda para terra batida e víamos cada vez mais guerrilheiros á espera de entrar em actividade, era uma espécie de reserva de forças! Tínhamos chegado precisamente á base do MPLA de onde partiam os ataques a Salazar/N'Dalatando. Era uma frente de combate como nunca tínhamos visto! Artilharia pesada de toda a qualidade, armamento de todo o tipo. As morteiradas não paravam, voavam para um lado e para o outro, e feridos constantemente a chegar. Que eram imediatamente substituídos por voluntários, para a linha de ataque que ficava a uns cem metros. Foi neste cenário, que com ofensas e agressões que a adrenalina atenuava, nós os três fomos encostados a uma cubata e percebemos que íamos ser imediatamente fuzilados, acusados de levarmos armamento - as bombas que eram transportadas no camião - ao inimigo. E, talvez porque estivessem mais à mão ou por falta de alternativas disponíveis naquele momento, as armas que os vimos apontar contra nós foram as nossas próprias G3.
Quando foi dada ordem de fuzilamento, fechei os olhos e, em silêncio, pedi a Nossa Sra. de Fátima que nos protegesse, e fiz as despedidas mentais, da minha namorada, mãe, pai, irmãos e deste mundo que me pregara a partida de acabar a vida em África numa guerra que nem sequer era a minha. Os gatilhos das G3 foram apertados...mas nada aconteceu. As armas não dispararam. Aos meus olhos, os segundos seguintes desenrolaram-se em câmara lenta: os negros aglomerados em torno das armas para lhes diagnosticarem o problema, o Barros e o Martins apalpando-se, atarantados, à procura dos furos das balas. Então uma alma iluminada ensinou a destravar as G3, que são novamente apontadas para o fuzilamento...Nesse mesmo momento deu-se a chegada providencial de um homem negro baixote, de óculos e fato amarelo, que deu três gritos num dialeto qualquer e toda a gente se calou! Uma aparição providencial no último minuto, digna de um filme de suspense (pensei)! As minhas preces foram ouvidas.
Notava-se que era alguém com alguma autoridade no MPLA, mas ainda assim houve reacções no sentido de se acabar com a nossa vida! Mas não a tiro! Tentavam chegar até nós com catanas, facas, tudo o que não fizesse barulho. Fomo-nos defendendo, corpo a corpo. Recordo-me perfeitamente, de um negro chegar junto de nós, olhar para mim, e chamou-me branco, filho da puta, e no mesmo instante desferiu-me um murro mesmo nos olhos. Cambaleei, e retribuo a agressão com tal vontade, que ele voou! A partir daí começaram a bater-me, e depois fui torturado com um martelo de picar carne. Foi aí que o homem vestido de amarelo se impõe de novo! Eu “exigi" falar com o comandante, ele mandou os homens dele controlar a situação enquanto os outros continuavam a tentar mandar-nos desta para melhor! A todo o custo tentavam chegar até nós, e ele teve que mandar disparar, para o ar e avisou que quem se aproximasse de nós seria abatido, enquanto perguntava quem é que fez o inquérito, onde está o inquérito?! E mandou colocar dois homens um de cada lado, com ordem para disparar contra quem se aproximasse.
A situação era periclitante eu e os meus companheiros pedimos para falar com o comandante. O negro acedeu e levou-nos à presença de um guerrilheiro que sangrava abundantemente, ferido na barriga e também numa perna. O homem não estava com cabeça para diplomacias e, sem mais delongas, deu ordem para que se livrassem dos prisioneiros. Mais uma vez foi o negro de óculos, com ar de futuro político, que pôs água na fervura e arranjou uma alternativa: levou-nos a um segundo comandante, que felizmente foi mais afável, recebeu-nos na sua cubata e até nos ofereceu comida “fuba” e bebida. Passado algum tempo, os dois africanos saíram, deixando-nos sozinhos mas bem guardados. O comandante regressou daí a algum tempo, dizendo que estava tudo tratado para sermos entregues a uma equipa das Forças Integradas, que incluíam elementos das várias facções inimigas e elementos da tropa Portuguesa!
O tempo ia passando, já estava quase a anoitecer e, pelo sim pelo não, tínhamos aproveitado aquelas horas de espera para fazermos um buraco na parede da cubata com uma faca de mato que tinha escondida numa bota. Por esse buraco íamos espreitando, sem que o nosso vigilante se apercebesse! Começámos a ouvir um motor de um Unimog e criámos uma alma nova, pensando que íamos sair dali. Quando vimos chegar o Unimog que supostamente traria a tal delegação das Forças Integradas, rapidamente percebemos que o caso estava mal parado: só lá vinham elementos do MPLA e muito sangue, que evidenciava o que teria acontecido aos restantes elementos da delegação. Aquilo não augurava nada de bom. Era preciso fugir, o mais rapidamente possível! Mas tínhamos que escolher o momento certo, pois homens do MPLA armados eram ás centenas, e tentar a fuga seria suicídio. De repente a artilharia pesada vinda de Salazar era tanta e tão frequente que eles correram para os abrigos. Então eu decido que era o momento e grito Barros, Martins: é agora, vamos fugir!
Metemos conversa com o guerrilheiro que estava a guardar a cubata, oferecemos-lhe um cigarro que ainda restava e quando ele aceitou e se pôs a jeito, agredimo-lo e ele caiu. O Martins e o Barros já se tinham posto ao fresco e eu fiquei a tirar a faca, por uns segundos, acontece que o tipo tenta levantar-se para apanhar a arma, aí tive que ser radical e desimpedir o caminho. Comecei a correr, mas ao contornar a cubata seguinte fui detido por um negro com ar tresloucado, vestido com uma farda do Exército Português. Estávamos frente a frente, a uns dez metros de distancia, eu, na dúvida, ainda pensei que fosse também um prisioneiro, mirei-o de alto abaixo para me certificar, mas ele começa a tentar destravar o coldre da Walter, aí corro na direção dele, faço a cambalhota, e ao erguer-me estava a cerca de dois metros dele, a faca voou e chegou ao destino. Mas ele ficou de pé e eu ia acabar com a disputa, quando aparece atrás dele um médico, ou enfermeiro, de bata branca e com uma seringa grande na mão, agarra-o, espeta-lhe a seringa no ombro direito e grita-me, fuege, fuege …
O negro caiu para o chão e o cubano voltou a gritar-me que fugisse dali, o que fiz sem mais delongas, correndo no encalço dos meus camaradas.
Ziguezagueando por entre as cubatas ao som dos ataques que continuavam de Salazar, alcancei o Martins um pouco mais à frente e a fuga continuou em conjunto, através de uma zona de arames horizontais onde havia peixe a secar até que encontrámos, metido num buraco feito por uma morteirada... um bebé a chorar. Não queríamos acreditar!
À luz do princípio de que onde cai um morteiro não cairia mais nenhum, algum pai ou mãe em apuros teria ali colocado a criança para a manter em segurança. Não podiam deixá-la ali...Baixámo-nos junto ao bebé para vermos como estava, e o gesto foi providencial porque nos salvou a vida: as balas cortaram nesse momento um dos arames, mesmo por cima das nossas cabeças.
Levando o bebé, seguimos caminho em direção ao mato, estávamos quase, quase a chegar á mata quando à nossa frente aparece saído do mato, como quem sabia o nosso percurso, o tal negro vestido de fato amarelo, com ar de político, acompanhado por outros homens, a quem me dirigi, apelando ao seu bom senso. Após uma troca de palavras, e muito à conta do bebé, o homem acabou por quebrar. Depois de ele concordar em nos deixar seguir, ainda lhe pedi uma arma, justificando que com o bebé a chorar poderia ser necessário defende-lo. Não nos deu nenhuma arma mas deixou-nos passar, e que levássemos o bebé dali.
O nosso plano era seguirmos para Cacuso e Malange, de onde tínhamos vindo, uma vez que no sentido oposto ficava o inferno de N'Dalatando/Salazar.
O bebé não parava de chorar, pelo mato nunca mais chegaríamos a Malange - era preciso ir para a estrada, foi o que fizemos e, qual intervenção divina, o primeiro veículo que passou trazia lá dentro um Padre e uma Freira! Os dois representantes do Senhor na terra pararam e, inevitavelmente sensibilizados com o bebé, prestaram-se a ajudar-nos, esconderam-nos na caixa aberta da carrinha, debaixo de um oleado. Seria o que Deus quisesse!
Aproveitando os salvo-condutos que tinham das várias facções para circularem livremente, ainda andamos vários quilómetros...até sermos mandados parar por um controlo do MPLA que, claro está, quis saber o que estava na caixa da carrinha, debaixo do oleado. Fomos descobertos e, perante as armas apontadas, virámos a história ao contrário e justificámo-nos como estando a fugir da FNLA. Os homens lá trocaram impressões entre si, olharam para o padre e para a freira e, num repente, de arma apontada, um gritou: andar, andar depressa antes que mude de ideias.
Não nos fizemos rogados e seguimos caminho. Mais á frente outra recepção a fazerem-nos alto. Eram os homens da FNLA, com os quais já nos tínhamos cruzado antes. Contámos-lhes a verdade e foram eles que nos pediram ajuda, pois o MPLA estava a matar toda a gente! Como se tivesse poderes para isso, prometi-lhes que iríamos enviar os aviões e o helicanhão para travar o MPLA. Coitados, agradeceram várias vezes! Mais tarde vim a saber que foram todos dizimados. Seguimos até Cacuso, onde já chegámos de noite.
Não se via ninguém nas ruas, o padre e a freira deixaram-nos junto a um café que estava fechado e abalaram, levando o bebé. Pedi-lhes que nos levasse até Malange, mas recusaram!
Ficámos ali sentados nos degraus a trocar impressões sobre o que fazer em seguida, e eis que a porta atrás de nós se abre numa frechazinha, de onde espreitou um português que sorrateiramente nos mandou entrar. A divina providência não nos tinha abandonado naquela já longa aventura! O homem tinha ouvido a conversa, fez-nos bifes, ovos, e batatas fritas e mandou-nos rasparmo-nos dali rapidamente porque aquela zona estava toda em pé de guerra.
Cansados de tanta peripécia, decidimos ir aos correios para tentar telefonar para Malange, foi necessário quase arrombar a porta, pois ninguém nos respondia. Lá entrámos e demos com um homem morto no chão e outro a remexer em papéis, que disse que não tinha linha para Malange e nos recambiou para o posto da Polícia Angolana.
Lá seguimos até ao local, estava isolado de tudo, distanciado da Vila de Cacuso cerca de dois quilómetros, e quando lá chegámos com os camuflados todos rotos e sujos, a recepção foi algo hostil, com um interrogatório intimidativo e na primeira oportunidade saímos a correr dali e regressámos ao centro da localidade. Encontrámos um carro com a chave na ignição e, embora nenhum de nós soubesse conduzir, decidimos arriscar...mas eis que apareceu o dono, bem vestido e anafado: era o administrador de Cacuso. Perguntou-nos o que estávamos a fazer no carro, e onde íamos? Eu respondi: o carro é seu? Então vá buscá-lo a Malange! Desagradado com a ideia de lhe levarem o veículo, conduziu-nos ao posto dos Correios, onde mandou o funcionário que restava com vida fazer uma chamada para o quartel de Malange e o “sacaninha” fez! Falei para Malange, expliquei a situação em que nos encontrávamos, pedimos ajuda e de facto, passadas horas, que pareceram uma eternidade lá apareceu uma Berliet em Cacuso com elementos do Exército que nos levaram de volta a Malange.
Levaram-nos para o Bar dos Oficiais e sentados ao balcão com o Comandante e outros oficiais que me iam fazendo perguntas, nós tremíamos com frio, dos pés á cabeça. Deram-nos cafés, brandys, toda a espécie de bebidas, mas eu o Martins e o Barros só tremíamos. A dada altura alguém se riu, e ouço o Barros responder: estais a rir-vos para mim, ou de mim? Ide todos para o carago! Então levaram-nos para a Enfermaria, medicaram-nos, e só acordámos no outro dia já” recompostos“, depois de um sono reparador!
No dia seguinte, desfrutámos de um passeio retemperador por aquela localidade onde ainda reinava alguma paz, quando um Jeep do Exército nos veio buscar, porque o DO que nos vinha buscar, já tinha chegado.
Começámos a ouvir um motor, e aparece uma carrinha Austin/Morris, de caixa aberta, e foi para aí que fomos levados. Saltamos para a carrinha, e três homens, bem armados, também entraram, dois na cabine e um encostado á grade com os pés em cima das nossas G3, e de arma apontada para nós. Eu coloquei-me sentado o mais perto que consegui do guerrilheiro. Na carrinha estava um jornal do MPLA, (O Victória) e o Barros com toda a dose de adrenalina, que todos tínhamos, pega no jornal, com o carro a cerca de oitenta quilómetros á hora “tentava ler o jornal“ mas poucos segundos o teve nas mãos, pois, de repente, dada a velocidade e a deslocação do ar, o Barros viu o jornal voar e ficou com um pedacinho dele, em cada mão.
Eu ia olhando para o conta quilómetros, na esperança que a velocidade abrandasse um pouco, para utilizar a faca pegarmos nas armas e saltar e resolver o assunto! O Martins ia-me perguntando, vamos a quantos? E eu respondia! Passados uns bons quilómetros, começamos a ouvir artilharia pesada, e pouco depois tiros, muitos tiros! Então pergunto ao guerrilheiro para onde íamos? Ao que ele me responde assim: vamos morrer, vamos todos morrer, os soldados são para morrer!
Continuamos sempre ao som da artilharia, e dos tiros dados pelas armas dos guerrilheiros, que ladeavam a estrada, e faziam a "festa"! O carro vira á esquerda para terra batida e víamos cada vez mais guerrilheiros á espera de entrar em actividade, era uma espécie de reserva de forças! Tínhamos chegado precisamente á base do MPLA de onde partiam os ataques a Salazar/N'Dalatando. Era uma frente de combate como nunca tínhamos visto! Artilharia pesada de toda a qualidade, armamento de todo o tipo. As morteiradas não paravam, voavam para um lado e para o outro, e feridos constantemente a chegar. Que eram imediatamente substituídos por voluntários, para a linha de ataque que ficava a uns cem metros. Foi neste cenário, que com ofensas e agressões que a adrenalina atenuava, nós os três fomos encostados a uma cubata e percebemos que íamos ser imediatamente fuzilados, acusados de levarmos armamento - as bombas que eram transportadas no camião - ao inimigo. E, talvez porque estivessem mais à mão ou por falta de alternativas disponíveis naquele momento, as armas que os vimos apontar contra nós foram as nossas próprias G3.
Quando foi dada ordem de fuzilamento, fechei os olhos e, em silêncio, pedi a Nossa Sra. de Fátima que nos protegesse, e fiz as despedidas mentais, da minha namorada, mãe, pai, irmãos e deste mundo que me pregara a partida de acabar a vida em África numa guerra que nem sequer era a minha. Os gatilhos das G3 foram apertados...mas nada aconteceu. As armas não dispararam. Aos meus olhos, os segundos seguintes desenrolaram-se em câmara lenta: os negros aglomerados em torno das armas para lhes diagnosticarem o problema, o Barros e o Martins apalpando-se, atarantados, à procura dos furos das balas. Então uma alma iluminada ensinou a destravar as G3, que são novamente apontadas para o fuzilamento...Nesse mesmo momento deu-se a chegada providencial de um homem negro baixote, de óculos e fato amarelo, que deu três gritos num dialeto qualquer e toda a gente se calou! Uma aparição providencial no último minuto, digna de um filme de suspense (pensei)! As minhas preces foram ouvidas.
Notava-se que era alguém com alguma autoridade no MPLA, mas ainda assim houve reacções no sentido de se acabar com a nossa vida! Mas não a tiro! Tentavam chegar até nós com catanas, facas, tudo o que não fizesse barulho. Fomo-nos defendendo, corpo a corpo. Recordo-me perfeitamente, de um negro chegar junto de nós, olhar para mim, e chamou-me branco, filho da puta, e no mesmo instante desferiu-me um murro mesmo nos olhos. Cambaleei, e retribuo a agressão com tal vontade, que ele voou! A partir daí começaram a bater-me, e depois fui torturado com um martelo de picar carne. Foi aí que o homem vestido de amarelo se impõe de novo! Eu “exigi" falar com o comandante, ele mandou os homens dele controlar a situação enquanto os outros continuavam a tentar mandar-nos desta para melhor! A todo o custo tentavam chegar até nós, e ele teve que mandar disparar, para o ar e avisou que quem se aproximasse de nós seria abatido, enquanto perguntava quem é que fez o inquérito, onde está o inquérito?! E mandou colocar dois homens um de cada lado, com ordem para disparar contra quem se aproximasse.
A situação era periclitante eu e os meus companheiros pedimos para falar com o comandante. O negro acedeu e levou-nos à presença de um guerrilheiro que sangrava abundantemente, ferido na barriga e também numa perna. O homem não estava com cabeça para diplomacias e, sem mais delongas, deu ordem para que se livrassem dos prisioneiros. Mais uma vez foi o negro de óculos, com ar de futuro político, que pôs água na fervura e arranjou uma alternativa: levou-nos a um segundo comandante, que felizmente foi mais afável, recebeu-nos na sua cubata e até nos ofereceu comida “fuba” e bebida. Passado algum tempo, os dois africanos saíram, deixando-nos sozinhos mas bem guardados. O comandante regressou daí a algum tempo, dizendo que estava tudo tratado para sermos entregues a uma equipa das Forças Integradas, que incluíam elementos das várias facções inimigas e elementos da tropa Portuguesa!
O tempo ia passando, já estava quase a anoitecer e, pelo sim pelo não, tínhamos aproveitado aquelas horas de espera para fazermos um buraco na parede da cubata com uma faca de mato que tinha escondida numa bota. Por esse buraco íamos espreitando, sem que o nosso vigilante se apercebesse! Começámos a ouvir um motor de um Unimog e criámos uma alma nova, pensando que íamos sair dali. Quando vimos chegar o Unimog que supostamente traria a tal delegação das Forças Integradas, rapidamente percebemos que o caso estava mal parado: só lá vinham elementos do MPLA e muito sangue, que evidenciava o que teria acontecido aos restantes elementos da delegação. Aquilo não augurava nada de bom. Era preciso fugir, o mais rapidamente possível! Mas tínhamos que escolher o momento certo, pois homens do MPLA armados eram ás centenas, e tentar a fuga seria suicídio. De repente a artilharia pesada vinda de Salazar era tanta e tão frequente que eles correram para os abrigos. Então eu decido que era o momento e grito Barros, Martins: é agora, vamos fugir!
Metemos conversa com o guerrilheiro que estava a guardar a cubata, oferecemos-lhe um cigarro que ainda restava e quando ele aceitou e se pôs a jeito, agredimo-lo e ele caiu. O Martins e o Barros já se tinham posto ao fresco e eu fiquei a tirar a faca, por uns segundos, acontece que o tipo tenta levantar-se para apanhar a arma, aí tive que ser radical e desimpedir o caminho. Comecei a correr, mas ao contornar a cubata seguinte fui detido por um negro com ar tresloucado, vestido com uma farda do Exército Português. Estávamos frente a frente, a uns dez metros de distancia, eu, na dúvida, ainda pensei que fosse também um prisioneiro, mirei-o de alto abaixo para me certificar, mas ele começa a tentar destravar o coldre da Walter, aí corro na direção dele, faço a cambalhota, e ao erguer-me estava a cerca de dois metros dele, a faca voou e chegou ao destino. Mas ele ficou de pé e eu ia acabar com a disputa, quando aparece atrás dele um médico, ou enfermeiro, de bata branca e com uma seringa grande na mão, agarra-o, espeta-lhe a seringa no ombro direito e grita-me, fuege, fuege …
O negro caiu para o chão e o cubano voltou a gritar-me que fugisse dali, o que fiz sem mais delongas, correndo no encalço dos meus camaradas.
Ziguezagueando por entre as cubatas ao som dos ataques que continuavam de Salazar, alcancei o Martins um pouco mais à frente e a fuga continuou em conjunto, através de uma zona de arames horizontais onde havia peixe a secar até que encontrámos, metido num buraco feito por uma morteirada... um bebé a chorar. Não queríamos acreditar!
À luz do princípio de que onde cai um morteiro não cairia mais nenhum, algum pai ou mãe em apuros teria ali colocado a criança para a manter em segurança. Não podiam deixá-la ali...Baixámo-nos junto ao bebé para vermos como estava, e o gesto foi providencial porque nos salvou a vida: as balas cortaram nesse momento um dos arames, mesmo por cima das nossas cabeças.
Levando o bebé, seguimos caminho em direção ao mato, estávamos quase, quase a chegar á mata quando à nossa frente aparece saído do mato, como quem sabia o nosso percurso, o tal negro vestido de fato amarelo, com ar de político, acompanhado por outros homens, a quem me dirigi, apelando ao seu bom senso. Após uma troca de palavras, e muito à conta do bebé, o homem acabou por quebrar. Depois de ele concordar em nos deixar seguir, ainda lhe pedi uma arma, justificando que com o bebé a chorar poderia ser necessário defende-lo. Não nos deu nenhuma arma mas deixou-nos passar, e que levássemos o bebé dali.
O nosso plano era seguirmos para Cacuso e Malange, de onde tínhamos vindo, uma vez que no sentido oposto ficava o inferno de N'Dalatando/Salazar.
O bebé não parava de chorar, pelo mato nunca mais chegaríamos a Malange - era preciso ir para a estrada, foi o que fizemos e, qual intervenção divina, o primeiro veículo que passou trazia lá dentro um Padre e uma Freira! Os dois representantes do Senhor na terra pararam e, inevitavelmente sensibilizados com o bebé, prestaram-se a ajudar-nos, esconderam-nos na caixa aberta da carrinha, debaixo de um oleado. Seria o que Deus quisesse!
Aproveitando os salvo-condutos que tinham das várias facções para circularem livremente, ainda andamos vários quilómetros...até sermos mandados parar por um controlo do MPLA que, claro está, quis saber o que estava na caixa da carrinha, debaixo do oleado. Fomos descobertos e, perante as armas apontadas, virámos a história ao contrário e justificámo-nos como estando a fugir da FNLA. Os homens lá trocaram impressões entre si, olharam para o padre e para a freira e, num repente, de arma apontada, um gritou: andar, andar depressa antes que mude de ideias.
Não nos fizemos rogados e seguimos caminho. Mais á frente outra recepção a fazerem-nos alto. Eram os homens da FNLA, com os quais já nos tínhamos cruzado antes. Contámos-lhes a verdade e foram eles que nos pediram ajuda, pois o MPLA estava a matar toda a gente! Como se tivesse poderes para isso, prometi-lhes que iríamos enviar os aviões e o helicanhão para travar o MPLA. Coitados, agradeceram várias vezes! Mais tarde vim a saber que foram todos dizimados. Seguimos até Cacuso, onde já chegámos de noite.
Não se via ninguém nas ruas, o padre e a freira deixaram-nos junto a um café que estava fechado e abalaram, levando o bebé. Pedi-lhes que nos levasse até Malange, mas recusaram!
Ficámos ali sentados nos degraus a trocar impressões sobre o que fazer em seguida, e eis que a porta atrás de nós se abre numa frechazinha, de onde espreitou um português que sorrateiramente nos mandou entrar. A divina providência não nos tinha abandonado naquela já longa aventura! O homem tinha ouvido a conversa, fez-nos bifes, ovos, e batatas fritas e mandou-nos rasparmo-nos dali rapidamente porque aquela zona estava toda em pé de guerra.
Cansados de tanta peripécia, decidimos ir aos correios para tentar telefonar para Malange, foi necessário quase arrombar a porta, pois ninguém nos respondia. Lá entrámos e demos com um homem morto no chão e outro a remexer em papéis, que disse que não tinha linha para Malange e nos recambiou para o posto da Polícia Angolana.
Lá seguimos até ao local, estava isolado de tudo, distanciado da Vila de Cacuso cerca de dois quilómetros, e quando lá chegámos com os camuflados todos rotos e sujos, a recepção foi algo hostil, com um interrogatório intimidativo e na primeira oportunidade saímos a correr dali e regressámos ao centro da localidade. Encontrámos um carro com a chave na ignição e, embora nenhum de nós soubesse conduzir, decidimos arriscar...mas eis que apareceu o dono, bem vestido e anafado: era o administrador de Cacuso. Perguntou-nos o que estávamos a fazer no carro, e onde íamos? Eu respondi: o carro é seu? Então vá buscá-lo a Malange! Desagradado com a ideia de lhe levarem o veículo, conduziu-nos ao posto dos Correios, onde mandou o funcionário que restava com vida fazer uma chamada para o quartel de Malange e o “sacaninha” fez! Falei para Malange, expliquei a situação em que nos encontrávamos, pedimos ajuda e de facto, passadas horas, que pareceram uma eternidade lá apareceu uma Berliet em Cacuso com elementos do Exército que nos levaram de volta a Malange.
Levaram-nos para o Bar dos Oficiais e sentados ao balcão com o Comandante e outros oficiais que me iam fazendo perguntas, nós tremíamos com frio, dos pés á cabeça. Deram-nos cafés, brandys, toda a espécie de bebidas, mas eu o Martins e o Barros só tremíamos. A dada altura alguém se riu, e ouço o Barros responder: estais a rir-vos para mim, ou de mim? Ide todos para o carago! Então levaram-nos para a Enfermaria, medicaram-nos, e só acordámos no outro dia já” recompostos“, depois de um sono reparador!
No dia seguinte, desfrutámos de um passeio retemperador por aquela localidade onde ainda reinava alguma paz, quando um Jeep do Exército nos veio buscar, porque o DO que nos vinha buscar, já tinha chegado.
Seguiu-se um voo atribulado para Luanda. Éramos cinco homens a bordo, e a “velhinha” DO fez-se á pista, mas começou a acusar excesso de peso, pois não conseguia levantar a cauda, a pista era curta e o Piloto grita: todos para as minhas costas! Assim fizemos e a “velhinha” levantou! Já no ar o Piloto diz-me: esta gaja agora vai pagá-las e no minuto que se seguiu, nós vimos uma piscina por cima das nossas cabeças!
Partimos muito tarde de Malange, e rapidamente se começou a fazer-se noite. Eu ia sentado atrás do Piloto, e pergunto-lhe o porquê de não acender as luzes? Responde-me que as luzes já iam acesas, ou melhor…não tínhamos luzes no DO para iluminar o caminho. Perante esta resposta, comecei a observar os instrumentos de voo, e reparo que a bússola não parava de andar ás voltas, que o ponteiro do combustível estava quase em baixo. Na “brincadeira “pergunto ao Piloto: então diz-me lá, posso saber o que é que funciona bem? O motor, enquanto tiver combustível! Respondeu-me ele.
A noite cai, só se viam as estrelas e ouvia o roncar do motor. Estávamos todos mudos! Olhava para o ponteiro do combustível e via-o cada vez mais em baixo. Pergunto ao mecânico, então tu não sabes orientar-te pelas estrelas? Claro que não! Definitivamente, estávamos perdidos, pensei. De noite, sem luzes, e o combustível quase a acabar! Começamos todos a preparar-nos para “planar” até ao chão! Então, passei-me, e pergunto ao Piloto, a que distancia é que ele pensava que estaríamos de Luanda? Já devíamos estar lá! Então vamos usar a cabeça antes que seja tarde. Eu como, graças a Deus, ouvia muito bem, pedi ao piloto para baixar até onde fosse possível. Assim foi, e eu ouço as ondas do mar, e grito vira para a direita rápido, estamos em cima do Oceano. Assim foi feito e passados minutos todos gritávamos de contentes.
Alguns dias depois na BA9 |
Todos gritávamos de euforia, enquanto o DO se fazia á pista. Missão cumprida! Estávamos em terra firme e em segurança! Enquanto comemorávamos na placa, aonde um conterrâneo meu, o Alferes Ferreira, me trouxe um camuflado e um par e botas, para eu vestir porque no rádio de Malange dizia que nós ficámos sem nada. Ouviram-se uns tiros por cima da base mas nada de especial a comparar com o que tínhamos vivido nos últimos dias!
Entretanto, e enquanto estas aventuras aconteciam, também o Furriel Miliciano Norberto Areias Teixeira Cardoso, que se encontrava no Quartel em Salazar tem muito que contar!
Coluna do BC 8322 |
Com este relato, gostava de saber
se, tanto os MMTs que foram substituir a caixa de velocidades, como os pilotos
do heli e do DO27, bem como o 1º
Cabo do Batalhão 8322 Augusto Rosa
meu conterrâneo, o qual vi pela
ultima vez em Cacolo, sozinho a transportar o correio para a AB4, numa
ambulância. Se andam por aqui e se podem comentar os factos
ocorridos naquela atribulada viagem.
A foto é de uma coluna do Batalhão de Cavalaria 8322, que em Setembro fez o mesmo trajecto quando deixou definitivamente o AB4.
A foto é de uma coluna do Batalhão de Cavalaria 8322, que em Setembro fez o mesmo trajecto quando deixou definitivamente o AB4.
O que o António Silva relata, como com ele muitos mais situações anómalas se passaram nesse ano de 1975, pena é que outros não façam tais relatos.
ResponderEliminarFoi meu contemporâneo no AB4 de 1974/75.
Ainda dizem muitos que a Guerra foi apenas de 1961 a 1974, durante 13 anos. E todas estas situações passadas pelos Camaradas PA e muitas mais nesse Período, bem depois de Abril de 74 (já decorrido um ano) em 1975, até ao Nosso Total regresso, foi o quê?
Há que relembrar que após 61 a 64, as localidades por onde passou essa Coluna e onde ocorreram os tristes episódios, sem qualquer apoio logístico, neles nem Guerra houve assim como em Henrique de Carvalho, nesta eu próprio fui apanhado no fogo cruzado durante mais de doze horas na célebre passagem do dia 12/13 de Junho de 1975... ... ... bem Hajas Camarada António Silva.
Agarrem neste argumento todo, e façam um filme sobre a saida dos portugueses das antigas colónias ultramarinas.há pano para mangas sem ficção.
ResponderEliminarTemos personagéns e actores suficientes.
Camaradas, grande aventura. Eu, por uma questão política, fui “despedido” do AB4 e substituído pelo cap. Campos. Pelos vistos livrei-me de aventuras bem pouco agradáveis. Felizmente, safaram-se para contar a aventura. Abraços e saúde.
ResponderEliminarOlá meu Capitão , como está ? Tenho a certeza que se a coluna fosse comandada pelo meu Capitão nada disto teria sucedido ! Tudo se deveu a um erro enorme do Cap. Campos . Nunca se pode deixar para trás ninguém em circunstancia alguma . Forte abraço com Amizade Capitão Várzea . Sempre o admirei como Homem e como Militar e aprendi muito consigo . Saudações .
Eliminar...em Março de 75,foi desativado o AR-Luso.E todo o pessoal transitou para a BA9,Luanda,a fim de lhes ser dado destino.Todos regressaram a Portugal,falo da ESq.403,os Saltimbancos,.Eu,por razões pessoais,voluntariei-me para ficar até ao fim.E voltei para destacamento em H.de Carvalho,estando quase sempre no Luso..!Aí assisti a três confrontações no Luso,e também à 1ª em H.de carvalho,entre o MPLA e a FNLA.12/13 de Junho.Quem estava na base por essa altura,deve lembrar-se do 10 de Junho desse ano,em que uma formação composta por três Hélis,fez a continência à bandaira Nacional.Eu pilotava o Héli canhão ,que por sinal voava a asa direita...não sei porquê!Mas,o chefe da formação assim o quis...tenho,no decorrer desse período,muitas peripécias que estou a registar para memória futura no meu PC.Depois verei se vale a pena passar para papel...
ResponderEliminarAqui deixo um abraço a Todos os Companheiros,que por esse tempo ali permaneceram ficando a mercê dos acontecimentos...quando da confrontação de H.Carvalho,passei a noite toda num quintal de uma vivenda,em frente do Cine-Chicapa...só por volta do meio dia é que um Capitão do exército,em pé numa Jeep willys,de megafone em punho,fazia ouvir umas palavras de apaziguamento,dizendo que se estavam a matar entre irmãos...enfim.Eu das 17h00 do dia 12, às 12h00 do dia 13,passei-as em companhia de um Pastor Alemão do dono da vivenda que "invadi"para me refugiar do tiroteio que varria as ruas e os ares eram atravessados por morteiradas que caiam no cruzamento,da vivenda onde me encontrava,vindas das instalções das obras públicas que tinha sido tomadas para quartel da FNLA.Começado por essa hora!A noite estava fria como é natural no planalto e,eu estava de t-shirt amarela,Lacoste,que tive que despir ,porque me tornava um alvo mais visível...o pastor alemão que era do Carlos Matos,cunhado do dono da vivenda ,veio deitar-se entre mim e o meu amigo Gorgulho que me tinha ido buscar à Base para irmos ver as miúdas ao picadeiro lá do sítio...memórias desse tempo!
Caro António Prates. Li com muita satisfação e admiração este relato da saída da Última Coluna do AB4. Descrição fantástica, e realística. Os meus cumprimentos. Foram momentos muito difíceis por que vocês passaram. Seria bom haver mais descrições de outras tantas que aconteceram naquela altura. Eu estava em Luanda, na BA9 e não passei felizmente por tantas privações. Saúdo a coragem e iniciativa do vosso grupo. Parabéns!
ResponderEliminarObrigado pelas tuas palavras de felicitação , mas garanto-te Camarada Alvaro , que nunca tive tanto medo na minha Vida como nestas situações ! Medo controlado e que nos deu forças para reagir com muita coragem . Saudações Camarada.
EliminarEu estou nesta foto estou de tronco nu sou o da esquerda salvo erro foi tirada à saída de malange outro também de tronco nu era de Portimão já faleceu o Zé Augusto está também o breda da gafanha os outros já não me lembro um grande abraço para quem publicou esta foto
ResponderEliminarSituações que ninguém deveria ter passado tanto sofrimento para nada
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