sábado, 27 de novembro de 2010

OS "SALTIMBANCOS", A ORIGEM DO NOME E DO EMBLEMA



"HISTÓRIAS SOLTAS"
A origem do nome e do emblema.

1969, no decorrer duma operação com os Comandos, algures no Leste, para os lados do Luvuei ou Lucusse, durante uma pausa, depois das colocações, petiscávamos as saborosas rações de campanha. 
Depois e para animar a malta, música, saltava então um gira-discos portátil, que eu sempre levava para os destacamentos (ficou o Leite da carrinha com ele) e um disco de fados do João Ferreira Rosa. 

https://youtu.be/jABViTSkaFU

Um dos fados preferidos era o fado dos Saltimbancos, que passava vezes a fio. 
Lembrei-me que seria um bom nome para a nossa esquadrilha. Foi aceite a sugestão e foi o Ten. Afonso Pinheiro da Costa que ficou de fazer o emblema que ainda hoje existe.
O disco ainda o tenho, (um 45 rotações).
1969, alguns "saltimbancos" no Marco 25

O grupo inicial era composto por: pilotos - Rafael, Braga, Costa, Antolin, Lopes e Vidal; especialistas - Pires, Cabeleira, Simões, Ferreira (gazela), Carvalho, Neves, Jorge, Jeremias, Sargentos: -  Sadio, Anjos, Ramos, Bragança, e outros de quem não me lembro do nome, neste momento.


Por: Carlos Antolin Pil







sexta-feira, 12 de novembro de 2010

AVIÕES DA AERONÁUTICA MILITAR - FARMAN MF 11


Em 4 de Agosto de 1917 chegaram dois aviões Maurice Farman tipo MF 11, modelo derivado do tipo 1911/12 (e do seu sucessor MF 7 que não existiu em Portugal) que depois de montados na E.A.M. foram experimentados nos dias 7 e 10 pelos tenentes Santos Leite e guarda marinha Caseiro. Eram equipados com motores Renault de 80 CV, com velocidade máxima de 100 km/hm e receberam as matrículas 2 e 3. A 23 de Agosto realizaram a primeira viagem com aterragem fora da pista Vila Nova-Santarém e depois em Setembro fizeram voos para escolha de viagens triangulares - provas exigidas para a obtenção do diploma - com aterragem em Vendas Novas e Tancos. Com os três Maurice Farman, o tipo 1911/12 e os dois MF 11, deu-se início ao primeiro curso de pilotagem em Portugal, sendo em 1/10/1916 recebidos mais cinco Farman F 40, dois Caudron G-3 e um monolano Morane-Salnier tipo H, chegados ao Tejo a bordo do navio francês «Garonne». (Crédito: "Os Aviões da Cruz de Cristo")
Biplano Maurice Farman MF 11, um dos dois recebidos para Escola da Aeronautica Militar de Vila Nova da Rainha em Agosto de 1916, onde deu instrução a partir de Outubro desse ano. De notar as «cocardes» verde/vermelho nas asas superiores. (Crédito: Maj. Ribeiro Saraiva)
Maquetes e réplica do Farman MF 11.
Créditos: jfs -ex-ogma.blogspot.com

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

ROCHA MARQUES, RAZÕES PARA UMA EVOCAÇÃO

 Joao Manuel Rocha Marques - (P3_58) - PIL 67 69
Se voltarmos o olhar para o passado, tentando compreender o tempo que todos nós passámos a contas com a «guerra do ultramar», por mais que tentemos aparece sempre uma espécie de sombra a toldar as possíveis justificações. Afinal, o que é que fazíamos ali, e em nome de quê?
E, se as respostas aparecem através de todos os tipos de argumentos, porém, a questão continua a manter-se em aberto, porque essa sombra esquiva-se às lucubrações mais sofisticadas que a razão possa engendrar. Haverá sempre algo de ilógico, de fugidio, repregado nos âmbitos sombrios do sentido das palavras que possamos articular.
Apesar de tudo, podemos argumentar que fomos lá parar porque estávamos vinculados a um estado que, contra a conjuntura internacional, obrigava a sua juventude a fazer a guerra, «orgulhosamente sós». E porque não havia saída (nem todos podiam emigrar clandestinamente, ou podiam aguentar anos e anos «atrás das grades»), então, lá se ia para as «colónias» (transformadas à pressa em províncias) à sombra de um ramo militar que oferecia mais garantias de sobrevivência e qualidade de vida. Sem eufemismos: por isso fomos para a Força Aérea.
Esta seria a razão de fundo da maioria, pese ainda o fascínio que sentíamos pelos aviões, como é vulgar acontecer nos anos sonhadores de quase toda a juventude.
Que fique claro: não temos porque nos envergonhar. Vivemos, historicamente, a conjuntura desse tempo. Porque a máquina duma Pátria impõe-se, inexoravelmente, contra a vontade singular (do cidadão isolado) cilindrando, com os seus argumentos de conteúdo histórico e de interesse nacional, quaisquer justificações baseadas na consciencialização do problema. Coreia, Vietname e Iraque são exemplos notáveis de uma questão ainda maior: será que pode haver uma guerra justa, em absoluto?
Mas nós estivemos lá, e poucos o fizeram por gosto. Só que a esmagadora maioria foi para lá e tentou sobreviver, como é justo, sentindo-se impotente perante a força da máquina e do espírito do tempo. Todavia, essa experiência não foi inócua. De todo. Ao longo do tempo, desde o longínquo 61, uma espécie de «mal-estar» foi-se apoderando das consciências, a pouco e pouco, encontrando-se indícios disso nos pormenores mais banais, como o consumo desenfreado de álcool, sob o qual se escondia o medo de se estar demasiado consciente nas tarefas menos claras do dia-a-dia. Mesmo assim, as vivências foram tão ricas que é vulgar dizer-se ter sido esse tempo de guerra o melhor período, talvez, das nossas vidas: dado o carácter terminal das circunstâncias que marcaram as nossas vivências. Foram tempos verdadeiramente excepcionais, durante os quais as amizades mais sólidas foram forjadas à luz do ritualizado «pacto de sangue» imposto pelas leis da sobrevivência. Que nos exigiam vivermos no fio dos nossos limites, balanceando entre o fulgor estonteante da vida jovem e o pavor espectral de uma morte eminente.
Houve um companheiro nosso que deixou testemunho disso. Refiro-me ao piloto-aviador Rocha Marques e à sua «Balada a Henrique de Carvalho» ou «Balada do Desterro», autêntico canto de cisne que, em forma simbólica, descreve a nossa experiência de guerra vivida numa terra que soube conquistar-nos, tal é a nostalgia que sentimos quando recordamos os dias vividos nessas planuras do «fim do mundo» perdidas no mítico leste angolano.
Com ele, Rocha Marques, cantámos o significado oculto da nossa passagem por lá, resignados ao peso da sorte e minados pela saudade daqueles que amávamos à distância tão grande que nos separava e sufocava. Mas ele nunca chegou a saber das consequências que a sua Balada teve na vida de tantos que por lá passaram, a partir de 68 ou 69, datas possíveis da sua criação. Ele nunca soube que fizemos dela o nosso hino. Porque nos sentíamos retratados ali. Porque as suas palavras queriam dizer aquilo que, inconscientemente, nos ia na alma e no coração. Sem darmos por isso, aceitámo-la de tal forma que não podemos imaginar que não seja verdadeiramente nossa. Por isso, a Balada teve e tem o condão de nos unir. Não à volta dos valorosos feitos militares, manifestamente muitos, e que podiam ser celebrados também. Pois há tantas histórias de contornos inquestionavelmente épicos, centradas nas façanhas dos nossos magníficos pilotos e à espera de verem a luz do dia. Sobretudo aquelas que falam dos valores humanos, em entrega passional total e derradeira, evidenciando-se pelo contraste estabelecido com a violência dos cenários bélicos desumanos.
Aqui, a história é outra, apresenta-se carregada de espiritualidade. Trata-se de alguém que nos deixou em herança uma canção destinada a cauterizar as feridas abertas pela saudade e pelo desespero de «uma vida amargurada». Ou que nos legou uma música onde a alma colectiva soube ganhar forças para exorcizar os fantasmas que, indelevelmente, ensombravam as nossas consciências. Por ser um hino à paz e a expressão sincera daquilo que sentíamos em tempo de guerra. E até quando nos íamos convencendo de que a guerra era justificável, mesmo aí, a Balada trazia à superfície uma espécie de verdade oculta, profundamente disfarçada ou imersa nos subterrâneos da razão. Verdade que, embora jazendo em leitos subliminares, estava à espera de saltar cá para fora, testemunhando o direito indeclinável à paz e à vida. Ou não era isto que todos nós queríamos e continuamos a querer?
Foi este o grande mérito do piloto Rocha Marques. A sua Balada, desassossegando-nos sossegou as nossas consciências interrogantes. Ao testemunhar, da forma mais simples, que, embora estivéssemos lá, sentíamos que estávamos a incubar algo que, como vírus, haveria de transformar-se em pandemia libertadora. Que haveria de culminar num certo Abril.
É que, mesmo fazendo a guerra, pode-se estar contra ela. Assim está expresso na Balada. Nela sentimos que, em vez da abulia intelectual com que nos rotulam em termos de consciência política, afinal, mesmo na Força Aérea, a rapaziada, aparentemente despreocupada, estava bem atenta em relação a alguns outros valores que incomodavam o poder vigente. E era por isso que nos sentíamos impelidos a cantá-la. Às escondidas, no princípio, como acontecia, em Coimbra, com as baladas do Zeca ou do Adriano, durante a crise académica de 69, cujas vozes deram o impulso maior a uma juventude inquieta que se interrogava e exigia o direito à liberdade de expressão e de ser ouvida sobre as opções dos seus percursos académicos e existenciais.
 A Balada, ao ser composta nesta altura, é portadora de significados próprios não só da poesia coimbrã como pode integrar-se, na perfeição, no género musical da canção de intervenção que, nesses tempos se expandia como rastilho aceso contestando os poderes instituídos na velha Europa e nos Estados Unidos da América. A «Balada a Henrique de Carvalho» ou «Balada do Desterro» não pode ser isolada deste contexto de contestação social e ideológica que abalava os povos ocidentais. E foi a juventude que deu asas e poder ao movimento que tão profundamente alterou o pensamento e o agir da época.
Talvez isto baste para que a memória do seu autor possa e deva ser evocada. Porque foi um precursor do Portugal que agora somos. Em termos de vontade de liberdade e de amor à paz. E, nos momentos difíceis que infelizmente vivemos, as palavras do Rocha Marques parecem soar tão oportunas e sábias como dantes. Será que não continuamos a ser seus companheiros de viagem? Numa viagem onde o canto se ergue contra a violência e a injustiça entre os povos? Ou será que já não há «desterros» de espécie alguma?
Definitivamente, não. Agora, se a «mordaça» a nível da expressão não existe, ou é apenas menos visível, já o «garrote» económico faz da esmagadora maioria verdadeiros «desterrados» da vala comum, herdeiros de uma vida de sufoco e de infelicidade permanentes, enquanto uma reduzidíssima minoria continua a empanturrar-se cada vez mais de poder e de dinheiro. Sem haver quaisquer limites de pudor, quanto mais de ética ou de justiça social, em doses mínimas que fosse.
A nova realidade social aí está, globalizada, mostrando um modelo tão injusto quanto imoral, narcotizando a esmagadora maioria com miragens utópicas de «El Dorados» que se sabe já terem de antemão aquela meia dúzia de donos certos. Esta é a propalada nova realidade onde quase já não há dia. E «quando a noite veste de sombras o mundo», os espectros dos deserdados, como sombras de miséria sinistra, arrastam-se, peregrinando erraticamente por aí, à procura de uma nesga de felicidade a que têm direito, pomposamente negada à luz dos discursos de uma liberdade enganosa, falseada. E neste cenário também há espaço para as «asas infernais» dos demónios travestidos de anjos que, lá do alto das esferas do poder, vão controlando os destinos dos deserdados, «zelando» para que não haja qualquer tentativa de desvio no caminho superiormente traçado. Quem denuncia «o peso desta vida amargurada»? Quem é que se sente minado por este «desterro»? Ou será que já não vemos as metafóricas cidades-desterro, ou as outras cidades de Henrique de Carvalho do país ou do mundo? Será que já não vale a pena querer «ser da paz, eterno companheiro»?
Afinal, o que é que queria dizer o Rocha Marques nas palavras da sua Balada?
As interpretações podem ser aquelas que nós quisermos, mesmo as que não foram pensadas pelo autor. Como se sabe, a polissemia abre imensas portas e rumos de sentido. Pelo que o poeta utiliza as palavras em arremesso simbólico para zonas de transcendência onde não tem acesso a lógica racional.
Só haverá verdadeira paz onde houver liberdade, compaixão, conhecimento e justiça. Estas são as marcas de uma visão humanista da vida e da sociedade. Que nós, um dia, herdámos de um piloto visionário, demasiado avançado no tempo e no pensamento. Ao deixar-nos numa Balada as palavras certas, carregadas de significados simbólicos camuflados, através dos quais perscrutava os arcanos do sagrado na tentativa de introduzir, no meio frio e brutal da guerra, um breve instante que fosse para que cada um se interrogasse acerca dos destinos assumidos ou impostos e do significado da vida que levava. Mesmo que isso implicasse gritar a Deus na angústia de saber-se que «o silêncio não diz nada» como resposta.

Como veio, assim partiu: apressado nas asas do vento e de um velho T6, em voo misterioso. Deixando muitas saudades entre os seus, entre os amigos, e entre uns quantos companheiros de viagem de outrora, algures no leste de Angola, que sentem ser chegada a hora de recordar, de agradecer e de não deixar esquecer o testemunho herdado. Pela grandeza do homem, do companheiro, e do amigo.

Forjães, 8 de Junho de 2010



(PS. Estas poucas linhas têm o propósito de levar àqueles companheiros, que não conheceram nem o piloto nem a Balada, alguns argumentos que possam ajudar na compreensão das razões da homenagem que se pretende prestar ao saudoso Rocha Marques. As razões invocadas não são as únicas, obviamente. Apenas apresentam uma perspectiva, entre muitas e variadíssimas. E que nasceram de uma conversa havida, no encontro de Fátima, no sentido de ajudar a situar, nomeadamente, alguns companheiros mais antigos sobre as causas que estão na origem do processo.)