sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O AB4 E O 1º. DESTACAMENTO NO CAZOMBO

Vista aérea do AB4 e de Henrique de Carvalho
Quando cheguei a H.C. em Março 1970, fiquei imediatamente impressionado com o ambiente.Quando o “barriga de ginguba” aterrou apeteceu-me quase de imediato pirar-me dali. Agora que já lá estava, as coisas pareciam-me bem piores do que me foi dito, quando dos meus dias em Luanda. Havia uma turba de indivíduos que gritavam e gesticulavam perguntando pelos seus “mikes” (substitutos). Havia quem se passeasse com um carrinho de arames e até quem tinha a mala pronta para o embarque ainda que soubesse que ainda não era o seu dia. Pensei cá para os meus botões, - cheguei ao fim do mundo - e daqui só sairei com pelo menos, mais de dois anos de comissão, o que era normal com a “lerpa”, pois havia quem já estivesse a “lerpar à mais de quatro meses, dependendo da especialidade, visto fazermos rendições individuais.Não tive problemas em me integrar no grupo pois por acaso, vim a saber também lá estava um amigo, de à muitos anos, quase infância, o meu amigo Rui Pires OPC, e que já não era nenhum maçarico, o que até permitiu que não fosse “praxado“ nesse mesmo dia, aliás, não cheguei a ser praxado, portanto a “coisa” até não corria mal.Colocado que fui no Hangar de Manutenção, para aprendizagem agora já a sério, a vida foi
Á espera do autocarro para a cidade
decorrendo, fui tomando os conhecimentos necessários, até ter ido para a “linha da frente para arranjar tarimba".
Naturalmente, como todos, as saídas para a cidade era o ponto alto do dia, onde fazíamos tudo para conhecermos as tascas, tasquinhas, ir ao cinema e ver os jogos de futebol de cinco, e, especialmente conhecermos miúdas. (Enfim, depois logo se via.)
CAZOMBO o meu 1º destacamento.Depois de 3 meses de tirocínio na manutenção e na linha da frente, no dia 22 de Julho recebo ordem de marcha para o meu 1º destacamento. Quando esse dia chega acho que é o mesmo que um piloto sente, quando pela 1º vez toma os comandos de um avião e levanta voo sozinho. É um misto de alegria e responsabilidade. Não temos ninguém connosco. Estamos sozinhos, e assim foi. Claro que estava atemorizado, era a minha primeira comissão em destacamento, isto apesar de sempre ter sido apoiado pelos meus colegas que me diziam que para o sítio para onde ia, não era mau de todo e lá vou eu. Cazombo AM43.Quando cheguei fui bem recebido por todos os camaradas e rapidamente me entrosei no grupo e no ambiente do AM.
Durante os primeiros dias de adaptação pouco conheci do Cazombo a não ser praticamente o AM e pouco mais.Certo dia, convidado por um VCC, de seu nome Sousa MMT,  de alcunha“CHILENGALENGA” (entre os nativos), para visitar uma das sanzalas, preparei-me para a primeira incursão aos Kimbos.
Claro que, como bom militar que se preze para “entrar nas linhas do inimigo”, aperaltei-me da melhor forma: camuflado, cinturão, faca de mato, (todos tínhamos uma) e ia continuar a abastecer-me quando o Sousa apareceu, olhou para mim, riu-se e com ar de reprovação disse-me que não íamos para nenhuma guerra, íamos apenas á sanzala.Ora bem, perante o ar divertido do Sousa, lá me dispus a desfazer-me dos meus argumentos bélicos e acompanhá-lo, tal como ele iria…sem nada. Assim foi. Para quem conhece África, sabe que a noite é mesmo noite, e só os mais afoitos se atreviam a entrar por aquele mato e caminhos, sem qualquer visibilidade, conduzidos apenas pelos seus sentidos de orientação, e pelos sons

O Cazombo tinha em seu redor 6 ou 7 sanzalas. Havia quem dissesse que uma delas era de “turras”, pois, de dia apenas se viam mulheres, crianças e velhos, mas que pela noite, não eram apenas estes que lá estavam. Havia já rapazes e homens feitos que apareciam.Nunca liguei, pois não me parecia possível, que com tanta vigilância, alguém se atrevesse a ir a essa sanzala. Na verdade a vigilância era nula, pelo menos da parte militar, pois não sei como era com a DGS, infiltrada que estava em todo o lado, no entanto, todos os dias as cenas eram as mesmas. À noite havia outro tipo de habitante, os chamados “turras”.Ora bem, então o “Chilengalenga” e eu, lá nos embrenhamos por aquela escuridão, (autêntica aventura). Eu é que me aventurei pois para o Sousa aquelas incursões, era o pão nosso de cada dia.Avançando pelo negro da noite, apenas com as estrelas a servirem de candeeiros, lá fomos avançando pelo trilho já muito batido.O Sousa ia falando comigo, sobre tudo e mais alguma coisa e eu nem aí estava… o meu
pensamento era apenas…. Onde estou metido! Porque me meti nisto? Estava tão bem! E assim nos fomos aproximando da sanzala dos “turras”. Quando já se viam a luz das fogueiras, comecei a ficar mais perto do Sousa, que ia desbravando o caminho, (também nunca estive longe dele), quando de repente, assim do nada, ouço uma voz, voz ao meu ouvido, voz grave e profunda que disse: Euá chindere,…moyo.Nesse momento mijei-me todo, (não na verdadeira acepção da palavra) e sem quase reação nenhuma respondi, Moyo ué.O Sousa deu um riso (qual hiena) de gozo, pois a ele não lhe disseram nada, deixando-o passar e esperando apenas por mim, naquilo que eu considerei ser o meu baptismo de visitante autorizado, àquela aldeia, abençoado pelo Chilengalenga.Fui recebido como convidado e como tal, ainda me sentei à fogueira, falei com os “caxanacaxa”, (os mais velhos) e bebi algo parecido com caxipembe, ou marufo, e fui mais “alegre “para o AM.

Nota:CHILENGALENGA, queria dizer no dialecto Quioco - o que vai e o que volta -

Eu voltava sempre
Moyo

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